terça-feira, 31 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #17 - Etapa 3- Pontevedra-Caldas de Reis

Dormir num hotel é bom e sabe bem, já sabíamos isso, mas é mordomia com um problema: acordar de manhã é muito mais difícil (a caminha, o silêncio e a privacidade são um vício que nos agarra sem piedade), a saída é muito mais lenta e acabamos por fazer o percurso quase todo debaixo de um sol escaldante.
Pontevedra é uma terrinha muito gira. Toda em pedra, está bem estimada e limpa, nada como a grande parte dos sítios por onde temos passado, o que foi bom para variar. É um ponto de encontro de peregrinos, pelo que de manhã tem um grande movimento de mochileiros e táxigrinos - o nome que os mais profissionais da coisa dão à malta que vai de mãos nos bolsos, aqueles que pagam a alguém para lhes transportar as malas de destino para destino. Este movimento é intenso logo deste a bela ponte velha que junta as margens do rio Lérez, onde fizemos amizade com um super animado e enérgico grupo de seis aveirenses. Claro que aqui as lebres estavam com o fogo no rabo o que levou os nossos companheiros a cedo desistirem de nós.
Continuamos animadas e sozinhas, afinal estavam previstos apenas 21 km, o que era isso para nós, que vínhamos de um sobrevivo dia de 38? Mas assim que o sol se pôs a pique não sei se foi da estafa do dia anterior, se foi da exposição ao calor excessivo resultado da sorna matinal, não sei do que foi mas os meus pés começaram outra vez a doer, as plantas dos pés, o que nos fez abrandar e foi motivo de gozo dos aveirenses que depressa nos ultrapassaram.
É uma etapa com pouca sombra, com bastantes subidas e muito caminho pelo meio de vinhas. A certa altura entramos num café para comprar água, talvez o único por onde passamos nesse dia,  onde estavam duas peregrinas chinesas a carimbar as credenciais e eu aproveitei para carimbar as nossas também. Uma delas olha para a minha, topa o carimbo de um hotel e grita "oh, you been in a hotel? A hotel?" tão alarmada que, fosse o caso de eu não entender o inglês macarronico, ainda teria julgado que ela me estava a avisar que tinha uma víbora a descer-me pelo pescoço. Sim, um hotel, qual é o mal?
Também quase não há fontes neste percurso. E estava tudo tão seco! Todos os ribeiros e riachos, tudo seco. Verdade seja dita que de resto estava tudo absolutamente impecável: água fresca nas garrafas, paisagem bonita, mochila super, bolhas zero, chapéu cinco estrelas, mãos magrinhas. Tudo menos os meus pés. Oh os meus pés, a dor excruciante de caminhar sobre facas, caramba.
Perto de Caldas de Reis vimos um cartaz a anunciar o Albergue Cruzeiro e recordamos que o Miguel, o nosso monitor da Serra do Risco, nos tinha dito que ali teríamos de ficar no Cruzeiro, o albergue municipal é impróprio para consumo, diz ele, nós não sabemos. Agarro no telefone e, fazendo o melhor uso daquele idioma universal que é o portunhol, marco um quarto. Era para quatro pessoas, mas não fazia mal, custava 12€ a cada uma e sempre seria melhor partilhar o espaço com outros 2 que com outros 22.
Lá chegamos, eu de rastos, a Inês fresca como se em vez de 23 quilómetros tivesse caminhado 23 passos (mais uma vez ludibriadas pela internet). Por mero acaso fomos direitas às águas, o sítio onde a tradição manda mergulhar os pézinhos à chegada, mas a simples visão de vários pares de extremidades transpiradas, e quiça micóticas, a demolhar no mesmo tanque fez-nos quase correr para o albergue onde a ausência dos nossos companheiros nos permitiu uma belíssima e bem mais higiénica banhoca.
Pouco depois eles chegaram, a Donatella e o Enrico, um casal de pequenos sexagenários italianos que pareciam dopados. Nós deitadas nas nossas camas, de pernas para o ar, vaselina a absorver nos pés, sem energia nem para alongar as pálpebras e eles, mais ela na verdade, num frenesim: lavou roupa, estendeu-a, desmancharam mochilas, fizeram camas, tomaram um duche e desandaram porta fora. Já nós só saímos um bom bocado depois. Arrastámos-nos pelo passeio, fomos ao supermercado e acabamos abancadas primeiro numa esplanada onde bebemos umas cervejas bem fresquinhas com o Jeremiah, que entretanto apareceu ali sozinho com o seu belo sorriso e um calcanhar todo deitado abaixo, e a seguir, de novo sozinhas, num tasco de aspecto duvidoso mas bastante pitoresco onde comemos umas muito boas tapas acompanhadas de mais umas cañas. 
As mesas corridas facilitam este tipo de interacção e acabamos a partilhar a nossa com um grupo de cinco divertidos alentejanos de Torres Novas - três rapazes e duas raparigas. Vinham de Valença, como nós - aleluia! já começávamos a achar que ninguém partia de tão perto de Santiago como nós. 
Regressamos ao nosso albergue um bocadinho às pressas com receio de acordarmos os nossos parceiros idosos apenas para constatar que eles ainda não tinham chegado. E já o fizeram uma boa meia hora depois de nós, os doidos. Conversamos ainda durante um bocado mas a noitada não os impediu de se levantarem ao toque do nosso despertador, às 5.30 da manhã (já não íamos arriscar outra caminhada à torreira do sol, somos parvas ou quê?) frescos e enérgicos como no dia anterior. 
o Caminho e os amigos italianos


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #16 - Etapa 2- Porriño-Pontevedra

Outra parte chata de dormir em albergues é a partida no dia seguinte - isto para quem queira, como nós, sair bem antes do nascer do dia. Acordar às 5.30 da matina já não é a melhor sensação da vida, acordar às 5.30h da matina depois de ter dormido ao todo uns 45 minutos, ainda é pior. Acordar às 5.30h da matina, deparar com 20 pessoas a dormir, ter por isso de sair sorrateiramente da camarata, às escuras, com a tralha toda atrás, para nos vestirmos no corredor, é uma trampa que não dá jeito nenhum.
Antes de partirmos para a nossa etapa de 20km rumo a Arcade,  paramos num café para carimbar a credencial, tomar  o pequeno almoço e ver se acordávamos antes de nos fazermos à estrada. Quando íamos a sair entrou um rapaz, peregrino, que nos sorriu com tanta simpatia e disse um good morning tão entusiástico que nos deu energia para as primeiras horas. 
Caminhar de noite não é tão giro como caminhar de dia, mas com as temperaturas a galope por aí acima, é infinitamente mais fresco e rápido. Os bastões são uma ajuda preciosa, evitam o inchaço das mãos e aceleram bastante a passada. 
Ao fim de uma hora de caminhada em que quase não vimos ninguém, fomos apanhadas pelo rapaz do sorriso simpático, que nos acompanhou durante o resto do dia. O Jakub (Jacob) era um polaco de 32 anos, magrito, cabelo loiro cortado à moda do colégio inglês e vinha a caminhar desde Lisboa, de tenda às costas, de onde tinha partido no dia 17 de setembro. Contou-nos que estudou Relações Internacionais em Cracóvia, depois foi completar os Estudos para França, onde viveu durante um ano. Regressado à Polónia abriu uma empresa de publicidade que lhe permitia trabalhar 9 a 10 meses no ano e viajar nos restantes. Confessou-se absolutamente apaixonado por Portugal e pelos portugueses e na Primavera pretende regressar para fazer a Rota Vicentina. Apesar das fortes motivações religiosas, o Jakub tinha o objectivo, que atingiu, de perder 5kg no Caminho. 
Cerca de 15 km depois de partirmos, à chegada a uma terriola chamada Redondela onde paramos para beber um café, comer o bolinho que oferecem sempre aos peregrinos e carimbar a credencial, fomos adoptados por mais um peregrino. Este era um alemão negro, alto, elegantemente atlético com o sorriso mais franco, simpático, saudável e bonito que eu já vi. Chamava-se Jeremiah, o que foi motivo de risota, quer dizer, Jacob e Jeremias? Qual era a probabilidade? 
O Jeremiah contou-nos que aos 27 anos ainda era estudante de medicina porque descobriu tarde  o que queria fazer na vida. Pretende especializar-se em anestesiologia, sonha encontrar uma mulher com quem construir uma vida, nunca tinha andado de avião, aliás, nunca tinha saído da terra dele - uma cidadezinha perto de Frankfurt - e, tal como o Jakub, nunca tinha visto o Oceano antes. Por ter partido do Porto e vindo pelo Caminho da Costa, como o Jakub, a descrição deles do espanto que foi essa primeira visão fez-me desejar muito ter assistido. 
Conversar enquanto se caminha alivia as distâncias. Perto de Arcade concluímos que nos sentíamos espectaculares e decidimos juntar duas etapas numa e seguir para Pontevedra. 
Oh, triste ideia.

Numa das várias paragens que fizemos a partir daí, a sensação que dá é que cada quilómetro se transforma em cinco, passou por nós um senhor já de idade, irritantemente fresco e energético. Meteu conversa connosco e ficamos a saber que era lituano, 75 anos, casado, duas filhas (uma delas a viver nos EUA) e três netos. Tal como o Jakub partira de Lisboa mas quatro dias antes dele.

O Caminho foi-se fazendo, quanto mais calor estava mais difícil. Estavámos mentalmente preparadas para fazer uns 35 km, que acabaram por ser 38, sendo que os últimos 8 ou 10 foram de grande sofrimento para mim, com dores intensas na planta dos pés. A Inês parece que nasceu a andar a pé, estava na maior, mas eu não, fui caminhando cada vez mais devagar e mesmo assim cheguei a Pontevedra com vontade de arrancar os pés, para dizer o mínimo, e em desespero total por uma casa de banho. 
Quando se chega a uma localidade ao fim da tarde, os albergues e sítios baratos já estão todos ocupados. Foi aqui que nos separamos dos nossos amigos - o Jakub seguiu por mais uns quilómetros em busca de um lugar onde pudesse instalar a tenda e o Jeremiah arranjou uma cama num albergue. Nós seguimos para um hotel e pronto. Um hotel com quarto, cama, casa de banho privada, banheira... que saudades!
Nessa noite ainda conseguimos encontrar um restaurante italiano que tinha uma boa sopa de legumes e dormimos que nem umas santas.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #15 - Etapa 1- Valença-Porriño

Partimos da Gare do Oriente no dia 2 de Outubro ao fim da tarde, no Alfa Pendular, rumo à Campanhã e transbordamos para o IR até Valença do Minho onde chegamos já perto das 11 da noite.

O Balerdi B&B revelou-se uma bela surpresa. O dono, espanhol, estava à nossa espera com um quarto impecavelmente limpo, e foi muito querido porque, quando lhe explicamos que teríamos de deixar a noite paga e prescindir do pequeno almoço porque teríamos de sair por volta das 6.30 da manhã, ele ofereceu-se logo para nos preparar a refeição às 6h e ainda se lembrou de nos carimbar a Credencial do Peregrino, coisa que a nós nem nos tinha passado pela cabeça.

Antes da partida, preocupadas com as bolhas fizemos o que dizem os manuais - protegemos os pés. Com o quê? A internet é prolixa no que diz respeito a este assunto. Há quem use vaselina ou o stick anti - fricção da Compeed (que nós também levamos para o caso). Mais tarde descobrimos que o Biafine também é uma opção muito apreciada. Mas isto de ter um marido ciclista tem as suas vantagens e decidimos inovar com o creme que os ciclistas usam para proteger o rabo das assaduras.
O Balerdi B&B fica mesmo junto do Caminho, o que facilitou ali no arranque, às 6.30 ainda é noite cerrada - as lanternas revelaram-se uma excelente aposta, a luz do telemóvel não é, nem de perto nem de longe, suficiente. Caminhamos durante cerca de duas horas. Em Tui o Caminho tem ali umas partes em que não está assim tão bem sinalizado, o que resultou num desvio de cerca de 2 km, mas lá nos orientamos e seguimos até à primeira paragem para comer e descansar. Tínhamos trazido de Lisboa alguma fruta para o início e umas deliciosas barritas home made, feitas pela grande Chef Cátia Goarmon, que já nos tinham sido preciosas na véspera ao jantar e nos ajudaram muito em todos os outros dias. Não estava ainda muito calor mas já tínhamos bebido alguma água e aí tivemos a primeira surpresa peregrina - junto da fonte onde fomos reabastecer havia uma taça com maçãs. Percebemos depois que é frequente haver fruta para os peregrinos junto das fontes. 
Esta parte do Caminho foi uma desilusão em termos estéticos e olfativos. Anda-se muito por estradas feiosas  (a arquitectura daquela zona não é propriamente bonita), ruidosas e poluídas. A segunda parte é melhor, há mais caminhos de serra, mas para evitar assentar os pézinhos nos inúmeros montes de bosta de cavalo, tivemos de caminhar um bom bocado como elefantes a atravessar o rio, de nenúfar em nenúfar.
Chegamos a Porriño 5 horas e 25 km depois da partida, muito cansadas mas sem dores nem mazelas, direitinhas ao albergue municipal. 
Para se ficar nos albergues municipais é obrigatório ter a Credencial do Peregrino. Não sei se já falei nisto, mas a Credencial pede-se por correio ou, no nosso caso, na Sé de Lisboa e custa 2€. Esta Credencial serve para nos dar acesso aos albergues e, quando carimbada em 2 locais por dia, se cumprirmos um mínimo de 100km a pé ou 200km de bicicleta, ainda nos dá direito à Compostela, o certificado que nos dão na Catedral de Santiago. 
O Albergue paga-se à entrada. Custa 6€ e dão-nos um kit de lençol e fronha descartáveis. Tem duas camaratas com beliches, tudo limpo e arejado, mas, por muito boa vontade que tenhamos e apesar de termos desmaiado ali durante um bocado antes do jantar,  é difícil descansar numa camarata cheia de gente. 
A casa de banho e os balneários estavam bem limpos, existe uma cozinha, para quem leva o equipamento necessário e vai numa de cozinhar as suas refeições, e ainda há uma muito útil zona de lavandaria com estendal.
Uma nota: entre as 16h e as 20h está rigorosamente tudo fechado, não se consegue comer nada em parte nenhuma. A partir dessa hora, os restaurantes estão a abarrotar de gente, é complicado arranjar mesa e impossível comer uma sopa (e nós queríamos tanto uma sopinha!). Como o recolher no albergue é às 22h fica tudo um bocado a correr.
O descanso é fundamental, por isso não ficamos fãs deste modelo de pernoita. 



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #14 - O ensaio Geral

Antes do espectáculo nada como fazer um ensaio geral com público e tudo. Vai daí, fiquei muito contente quando, a cerca de duas semanas da partida, a Inês me enviou um email a desafiar-me para uma caminhada organizada - pois que seria um bom treino, com certeza. Pessoalmente há já uns dias que andava na ronha sem mexer o rabo para nada, farta que estava de praticar tão intensa actividade sozinha. Por isso a ideia pareceu-me excelente.
Calçamos as nossas meias e botas, carregamos as mochilas com o saco-cama, protector solar, água e meia dúzia de mantimentos, sacamos dos nossos recém adquiridos bastões de caminhada (um para cada uma) e lá fomos nós, rumo à Serra do Risco, algures na Arrábida.

O programa, organizado pela GreenTrekker, uma empresa super cool que promove caminhadas por este mundo afora e por este Portugal adentro, consistia num percurso de cerca de 15 km com nível de dificuldade 4 em 5 - detalhe que provocou o surgimento imediato de temerosas imagens de escarpas aguçadas e precipícios instáveis (aventuras para as quais tenho propensão zero) e me deixou um bocadinho enervada.
Seríamos 15 com encontro marcado para as 10 da manhã num café algures na Serra e regresso previsto para as 16.30h. Como a minha experiência, pouco vasta é certo, mas suficiente, me indicava que 15 km se fazem na boa em 3 horas, 3 horas e meia vá, a duração estimada de mais de 6 horas adicionou alguma agitação ao meu já perturbado intestino, forçando-me a aplacá-lo no simpático lavabo do pequeno café de onde partimos com cerca de 15 minutos de atraso.
O começo foi fácil, estrada de alcatrão seguida de estradões em terra, tudo simples e inofensivo com belas vistas e companheiros simpáticos.
Passados uns quilómetros paramos para um chá gentilmente oferecido pelo Miguel, o monitor, que nos avisou que a partir dali é que a coisa apertava, pois seguiríamos pelo meio de carrascos (planta cuja surpreendente agressividade explica o nome dado à profissão e talvez à Serra) sobre uma laje inclinada e um pouco escorregadia. Aí agitaram-se-me outra vez os nervos mas à falta de local apropriado para os acalmar optei por pensar noutra coisa e seguir atrás do homem.
Apesar de agressivo, quase sem trilho, o caminho fez-se bem - só nos aproximamos de falésias abruptas quando quisemos tirar fotografias - e até terminamos mais cedo que a hora prevista.
As botas e meias cumpriram o seu propósito na perfeição - protegendo os pés e tornozelos e evitando as escorregadelas - e as calças (que só levamos porque perguntamos se era suposto, caso contrário os planeados calções ter-se-iam revelado trágicos) protegeram-nos bem as pernas. O chapéu foi uma má opção porque os furinhos deixam passar muito sol, mas a aba larga foi útil a proteger esta minha carinha que se pretende, ainda que por pouco tempo, laroca. A t-shirt teve nota 10. A mochila, apesar de demasiado volumosa para atravessar a mata de carrascos, portou-se muito bem em todos os outros sentidos, mas o bastão foi mais um empecilho que uma ajuda, até porque a certa altura eu pendurei-o na mochila, que tem um suporte próprio, e passava o tempo a pender-se nos arbustos e a puxar-me para trás.
O Miguel, que já fez o Caminho de Santiago não sei quantas vezes, explicou-nos que para caminhadas grandes como a que vamos fazer é melhor levar dois bastões. Além de ajudarem nas subidas e descidas, quando bem utilizados também ajudam nas rectas e ainda evitam o inchaço das mãos, que a mim tanto acontece.
Registado.
Resumindo, ensaio geral superado. Estamos prontas.
A bela paisagem

o raio do carrasco

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #13 - A mochila

Um detalhe que andava a tirar-me o sono era a inexistência de uma mochila decente nesta casa. Ora sendo esta uma peça fundamental para o sucesso da nossa aventura, e já que teria de adquirir uma, havia que escolhê-la com critério e minúcia.
O peso é fundamental, já sabemos, mas o preço não pode ser ignorado. Nem o conforto.
Portanto, num destes domingos, lá fomos nós passear aos estabelecimentos comerciais do género. Mas claro que nunca sem antes fazer o meu costumeiro périplo por esta Internet fora, no qual visitei todos os blogues e sites cujo assunto contivesse as palavras Trekking, Hiking, Caminho de Santiago, Acampamento e Actividades Ao Ar Livre.

Descobri que, para uma caminhada de uma semana, a mochila deve ter uma capacidade máxima de entre 30L a 40L. No geral é isto que os veteranos defendem. Uma mochila com capacidade para meter lá dentro este mundo e o outro, acho. Mas eu ia determinada a carregar com o  mínimo peso possível, tenho muito pouco sangue de mula a correr-me nas veias e na hora de acartar não ando cá com frescuras - é levar o mínimo e pronto. Por isso fui direitinha às mochilas de 30L.
Experimentei várias e descobri uma de que gostei. Era confortável, costas rígidas e arejadas, fecho para a fixar na cintura e no peito, várias bolsas e bolsinhas, suporte para os polegares, alças moles, capa impermeável, tudo o que os sites mandavam acautelar. E custava 27€. Fiquei muito contente. Preparava-me para me ir embora com a minha nova aquisição quando o meu querido e amado cônjuge apareceu com uma mochila igualzinha, mas de 20L. Comecei por reclamar, seria demasiado pequena, tão pequena que nem o saco cama caberia lá dentro. Ele voltou atrás e regressou com outro saco cama - uma coisa espectacular - um saquinho muito mais pequeno do que o outro, com um peso 200gr inferior e um preço de apenas mais 10€. Pensei um bocadinho. Olhei para o preço da mochila mais pequena, custava menos 5€ que a outra, portanto o saco cama, na realidade, custaria apenas mais 5€. E nós iríamos muito mais leves (sim, nós, porque estamos tipo pirosas a comprar quase tudo igual). Nunca esquecer, a regra de ouro: o foco é sempre o peso.

E pronto. Venha a mochila e venha o saco cama. Foi por este motivo que acabei por não levar o outro.
Deixo aqui a fotografia da mochila e um comparativo entre os dois sacos-cama para se ver bem a diferença.
(Mais tarde voltei lá para devolver o preto).
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sábado, 14 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #12 - Os treinos (4)

Ando frenética. Estamos quase a partir. Tenho imenso medo de não estar em boa forma e transformar esta belíssima aventura num suplício, por isso estou a tentar prevenir todas as situações possíveis.
Descansei um dia e... pernas a caminho que a vida não é para os molengas.
Desta vez voltei à serra para uma tareia de 16 km. Como sou uma exagerada e continuava convencida de que levava a mochila demasiado leve, para este treino acartei com não uma, não duas, mas três garrafas de um litro de água, um iogurte, um pacote de bolachas, o protector solar, o haltere e ainda o saco-cama. A mochila estava tão pesada que quando a coloquei às costas ia caindo para trás.
Não sei se foi devido ao excesso de peso, mas desta vez as mãos incharam-me muito mais, como se de repente na ponta dos braços me tivessem crescido umas luvas insufladas - de tal maneira que até me custava dobrar os dedos. Os pulsos também incharam.
De resto estou bem, estou a ficar em forma. As botas estão feitas ao pé e quando termino as caminhadas não tenho dores nem fico demasiado cansada.
E ainda trago imagens maravilhosas como esta.

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Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #11 - Os treinos (3)

Desta vez decidi que fixe fixe era mesmo não descansar e fazer treinos duros em dias consecutivos como simulação aproximada ao cansaço real que sentiremos.
Mas que grande estupidez.
Eu não estava preparada para isto. Logo para começar, achei que andava com a mochila muito leve e toca de a carregar com o saco cama, a garrafa de água, o protector solar, um frasco de champô de 700 ml, dois iogurtes líquidos, um haltere daqueles pequeninos e dois pacotinhos de bolachas.
Desta vez quis simular a distância aproximada de uma etapa que serão cerca de 20 km, por isso fiz 11 km para um lado e regresso.
Para não correr de novo o risco de ficar às escuras no meio da serra, fui pela estrada. 22 km e 3h40m depois estava de volta.
Os erros foram vários, para inexperientes como eu o treino é mesmo necessário: logo para começar não contei com o cansaço da véspera e caminhar distancias grandes em dias seguidos é muito mais difícil do que parece. Depois, não parei para descansar nem sequer enquanto comia porque só pensava em chegar a casa; as meias húmidas são muito desconfortáveis e assam os pés, mas eu não sabia por isso não troquei de meias (e devia mesmo ter trocado). Para finalizar o rol de erros, voltei a ficar sem água. Para piorar escolhi um percurso em que estive sempre, mas sempre com o vento contra, o que dificultou imenso até porque tive de fazer parte do caminho com o chapéu nas mãos. Uma seca.
As mãos continuam a inchar, não muito, mas incham sempre. Sinto-me uma tontinha a caminhar de braços para cima e para baixo, parece que estou a tentar voar.
Tenho de  ir investigar como se faz para isto não acontecer. Será que tenho de beber mais líquidos?

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #10 - Os treinos (2)

Um dia de descanso e voltei à carga. Desta vez escolhi um percurso de serra, calcei na mesma as botas  mas optei pelas meias mais grossas para ver como me sentia, carreguei a mochila com o mesmo peso e levei o mesmo chapéu - já estava pouco sol, não era grave.
Andar na serra é mais fresco e a paisagem é mais variada, o que em certa medida torna a coisa mais fácil, apesar de ser fisicamente mais exigente - há subidas, descidas e caminhos com pisos diferentes. Mas é muito mais giro. Entusiasmei-me e quando dei por mim já tinha andado 9 km, estava a chegar ao Santuário da Peninha (a foto abaixo mostra o estacionamento do santuário, mas aqui a génia tirou a chapa na contraluz e o resultado foi este).


Até aqui estava tudo tranquilo, mas o regresso incluía outros 9 km e esses foram muito mais difíceis. A água acabou, as meias mais grossas (as de 900) são um forno e assaram-me os pés (se estiver calor nem sequer as levo na mochila) e, para piorar, começou a escurecer e tive de terminar a caminhada quase a correr para não ficar no meio da serra às escuras.
Resultado, pés desfeitos, dores nas pernas e mais 1357 calorias gastas (compensa sempre, malta. Sempre).

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #9 - Os treinos (1)

Isto de andar às compras é muito bonito mas não servirá de nada se não começarmos a mexer o rabiosque. Pelo menos um mês antes da partida, toca a fazer testes. Se forem fazer  percursos mais longos, que exijam mochilas maiores, então, claro que o treino tem de ser mais e melhor.
Neste primeiro dia, o treino consistiu em ir, a pé, jantar a casa dos sogros (isto com a cenourinha na ponta da vara funciona sempre melhor).
Vesti a t-shirt maravilha, calcei as botas maravilha e as meias maravilha, surripiei uma mochila ao meu filho onde enfiei um pacotinho de bolachas, o protector solar e uma garrafa de um litro de água e, com ela às costas,  um chapéu na cabeça, os óculos escuros na cara e muita determinação, meti os pés a caminho.
Neste primeiro treino procurava principalmente descobrir como me sentiria a caminhar com a mochila às costas. Saí já ao fim da tarde, para fugir ao calor (o protector na mochila era mais para fazer peso), e fui pela estrada fora. Foram 2h21m sempre a andar. Quando cheguei estava bastante bem para quem tinha acabado de caminhar 25 km, mas depois verifiquei no Strava que tinham sido só 14, por isso acho que estava um bocado exausta.
As botas e as meias portaram-se excelentemente, a mochila estava com pouco peso, não fez grande diferença, mas o chapéu tem de ser revisto, este que levei é de palha e os furinhos deixam passar muito sol. Além disso as mãos incharam-me bastante, passei parte do caminho de braços no ar a abrir e fechar as mãos, mas não adiantou nada (também não piorou, se calhar não fez nada e pronto).
De resto, ok.
A parte melhor? Gastei mais de mil calorias!

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #8 - As reservas

Uma vez que estávamos em Lisboa e partiríamos de Valença para fazer o Caminho sem nada marcado, convinha, no mínimo, planear a dormida da véspera. Uma amiga minha partiu de Lisboa ao fim da tarde de um dia, chegou lá já perto das 11 da noite, o albergue estava cheio, teve de dormir no chão e partiu para a primeira etapa com o corpo feito em papa. Nós não queríamos isso, já bem bastava a papa em que ficaríamos depois, não era preciso exagerar.
Precisávamos de dormir bem, por isso marcamos no Booking um B&B simpático e baratucho perto do albergue, presumindo que este seria perto do inicio do Caminho - o que podia não ser verdade. 34€ por noite por um quarto duplo com casa de banho privativa e pequeno almoço incluído - estávamos um bocadinho apreensivas, mas as nosso favor tínhamos as reviews dos hóspedes, que eram fabulosas. De qualquer maneira, ainda que fosse mau suponho que seria sempre mais simpático que dormir no chão.
Descobri também que, marcando com mais de 5 dias de antecedência, os bilhetes de comboio da CP têm cerca de 40% de desconto, o que vale muito a pena. Fomos de Alfa pendular até ao Porto e daí no IR até Valença, direitinhas ao remanso deste Balerdi B&B.


Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #7 - O Saco cama 1ª versão

Uma das primeiras preocupações que tive foi que saco cama levar.
Investiguei também este tema, fui aos blogues onde já sou uma cliente tão assídua que até já me sinto amiga de algumas destas pessoas, e aprendi que o importante é levar um saco cama leve, pouco volumoso e que não seja muito quente nem muito fresco, pois não sabemos que temperaturas estarão dentro dos albergues. Também aprendi que a maioria dos albergues dispõe de cobertores para uso dos peregrinos, o que facilita, pois assim podemos optar por um saco cama mais fresco, ou seja, podemos levar uma coisa mais pequenita às costas.
Há uns bons anos comprei sacos cama para os meus filhos levarem para um acampamento, estava relativamente tranquila, mas como já sou crescida e burro velho aprende línguas sim senhor, fui investigar em detalhe se as características destes ditos cujos estavam dentro das exigidas pelos veteranos das caminhadas e em que condições de utilização estariam.
Por acaso até estão bem estimados, nesse particular até fiquei satisfeita, mas jamais poderia fazer uma caminhada com aquilo às costas - mais depressa levava um cobertor de papa da casa dos meus avós do que um daqueles sacos cama - são grossos e pesados, não se adequam minimamente àquilo que preciso. Confesso que até tive pena dos meus filhos, para que acampamento terão levado aqueles trambolhos? Bem sei que já passaram alguns 12 anos, mas será que naquela época era aquilo que se vendia ou terei eu comprado a coisa mais baratucha que encontrei? Bem, sobreviveram e  sem traumas aparentes ou então recalcaram-nos tão maravilhosamente que não se dá por eles, o que é igualmente satisfatório.
Enfim, percebi logo que o meu exercício de despojamento e peregrinação envolveria mais uma despesa e lá fui eu.
Hoje em dia há sacos cama do caraças, se tiverem dinheiro comprem um daqueles topo de gama que parecem tão leves e confortáveis que dá vontade de substituir os lençóis da cama por uns daqueles. Mas eu não tenho. Por muito que gostasse de ser uma peregrina rica, não sou, por isso o meu critério foi o preço, o peso e o volume, por esta ordem.
Ao fim de meia hora em que perguntei tudo o que se possa imaginar ao menino que teve o azar de estar de turno, escolhi este.



Não pesa os 650gr dos mais caros nem custa os correspondentes 50€, parece ter uma boa relação preço qualidade já que vendem 860gr por 15€. E é preto. Gosto de preto, havia uns todos folclóricos que me arrepiavam, este era discreto.
Portanto, achei eu que estava resolvido, mas não. Acabei por devolver este e comprar outro, já explico porquê.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #6 - As t-shirts

A escolha da roupa adequada a uma empreitada destas parece simples mas não é. Além de termos o factor aquecimento global e tal que causa uma instabilidade enorme, temos de reduzir ao mínimo o peso mas sem pôr em causa o conforto e, sejamos honestas, dentro do possível, a estética.
Aproveitei os meus passeios com o cão para fazer experiências e já cheguei a algumas conclusões, nomeadamente no que diz respeito à t-shirt:
1 - Camisolas de alças são má ideia, convém levar camisolas de manga curta (supondo que estará tempo para este tipo de indumentária). Os motivos são dois: por um lado evitam-se os escaldões nos ombros, por outro, quando no Caminho levarmos a mochila às costas, o tecido da t-shirt sempre ajuda a proteger a pele de bolhas e assaduras causadas pelas alças da mochila.
2 - Convém que as t-shirts sejam feitas naquelas fibras que secam depressa, também aqui por vários motivos: a) as fibras sintéticas protegem melhor contra os raios UV do que as fibras naturais; b) caminhar com a t-shirt de algodão encharcada é horrivelmente incómodo (sim malta, mesmo que não chova transpiramos como se estivéssemos dentro de uma sauna); c) quando molhadas, se as lavarmos e tivermos de as transportar antes de secarem, estas t-shirts pesam muito menos que as de algodão; d) dobrada dentro da mochila também pesa menos e ocupa muito menos espaço.

E lá fui eu tratar de mais este assunto.

Estas t-shirts revelaram-se uma excelente escolha. São baratas, leves, finas, secam depressa e não se passam a ferro. Sim, este detalhe é um detalhe mas é muito importante - a pessoa vai peregrinar mas isso não significa que tenha de andar com ar de quem se vestiu no cesto da roupa suja.
As minhas são pretas mas há várias cores disponíveis.

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #5 - A Lista

Talvez tenha andado meio obcecada ou com pouco para fazer, mas de repente só pensava nisto. Não tinha vontade nenhuma de partir para uma aventura fisicamente tão exigente sem estar preparada, o sofrimento escusado, aquele que não estivesse directamente relacionado com o cansaço, para mim, estragaria a experiência e eu queria aproveitar tudo. Isto para explicar que, após várias consultas a vários sites e pessoas que já tinham feito a peregrinação, elaborei uma lista definitiva duas semanas antes de partir. Constava do seguinte:
Roupa:
3 t-shirts (com mangas, as alças da mochila podem assar os ombros)
1 camisola manga comprida
1 calção ou calça daquelas que se tira as pernas
1 legging
1 pijama
1 casaco
1 impermeável
3 meias
2 cuecas
2 soutien desporto
1 chapéu + óculos escuros

Higiene e farmácia:
Shampoo 2 em 1
Desodorizante
Pasta dentes
Escova dentes
Papel higiénico
Toalhitas
Detergente roupa
Escova cabelo (+ elástico)
Protector solar (corpo, rosto e boca)
Voltaren Pomada + comprimidos
Compeed bolhas
Vaselina (para proteger os pés das bolhas)
Repelente insectos

Outras coisas:
Saco cama
Tampões ouvidos (diz que não se dorme nos albergues sem eles)
Fato de banho
Chinelos
Toalha de fibra (são as mais leves)
Cartão de peregrino
Cartão cidadão
Cartão multibanco
Lanterna
Canivete
Alfinetes D'ama (para estender a roupa na mochila a secar)
Bolsa cintura
Bolsa impermeável (telemovel+docs)
Carregador
bastões caminhada

Agora que já voltamos deixo aqui a minha avaliação da lista:
Pijama. Estive quase para levar mas estava calor e dormia dentro do saco cama, além disso levava leggings, ou, se necessário, podia dormir com a roupa de caminhar, não devia estar lá o polícia da higiene e da moda para me impedir. De maneira que optei por não levar e fiz bem, não precisei. Para lavar a roupa  podemos utilizar o shampoo, não precisavamos de levar detergente. As toalhitas não usei, podia não ter levado, assim como o repelente. A capa impermeável não usamos mas fizemos bem em levar, o clima na Galiza é muito instável e caminhar ensopada até aos ossos durante 20 km não deve ser uma experiência muito simpática.
O que achei que não ia precisar mas acabou por se revelar extremamente útil foi o canivete - muito importante para descascar e cortar fruta; a lanterna para caminhar antes de o dia nascer (no meio do mato está tão escuro que nos sentimos cegas) e os bastões - os bastões salvaram -nos a vida.
De resto fizemos bem em levar o que levamos.

A questão central é sempre o peso. Temos de economizar no peso, afinal não podemos esquecer-nos que, dê por onde der, somos nós que temos de acartar com a nossa mochila.

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #4 - O percurso

Entretanto, calçadas e bem calçadas, há que decidir qual o percurso.
O Caminho de Santiago pode fazer-se quase a partir de qualquer lugar e pode fazer-se qualquer parte do trajecto, mas o tradicional e mais bem estruturado e sinalizado é o Caminho Francês. Este começa em Saint-Jean-Pied-de-Port (França), mas uma vez que a partir deste local o Caminho é muito exigente fisicamente, muitos peregrinos decidem começar em Roncesvalles (Espanha). Daqui a Santiago são cerca de 800 km de um caminho que se faz em cerca de um mês (sim, há quem faça, mas é malta perturbada, só pode).
Descansem, ainda não andamos a dar nas drogas, é óbvio que a nossa ideia não era esta. Em Portugal também há alternativas. Aqui temos a possibilidade de partir de Lisboa (600 km), do Porto (230 km), de Ponte de Lima (150 km) ou de Valença do Minho (120 km). Quer dizer, estes são os locais de partida mais "tradicionais" mas é evidente que podemos partir de qualquer lugar e fazer o percurso até à Catedral de Santiago.
Bem, já que não somos nenhumas miúdas, que esta seria a primeira vez e que nenhuma de nós pretendia passar pela humilhação de ficar a meio, decidimos optar pela partida de Valença motivadas para completar os 120 km sem grandes mazelas e ganhar a Compostela, o certificado que atesta que fizemos o Caminho. Além disso o que queriamos mesmo era chegar à Catedral, a expectativa era a de que seria uma sensação absolutamente avassaladora.
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O plano seria então:
Valença- Porriño 20km
Porriño - Arcade 22km
Arcade- Pontevedra 13km
Pontevedra - Caldas de Reis 21km
Caldas de Reis - Padron 20km
Padron - Santiago 21km
Num total de 117 km em 6 dias - que tentariamos fazer em 5 se conseguissemos juntar a Etapa de Arcade a Pontevedra à anterior ou à seguinte. Mas isso ver-se-ia lá.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #3 - Tudo começa nos pés - As meias

Um dos conselhos que está presente em todos os sites que consultei é "façam as botas ao pé". Nunca, jamais em tempo algum se ponham a caminhar tiradas de mais de 20 km com botas novas calçadas. Eu assim fiz. Comecei por calça-las para ir passear o cão mas entendi que devia era usá-las para tudo, e pouco depois já as usava até para ir ao café.
Entretanto, em conversa com uma amiga recente calhou contar-lhe os meus planos. E não é que ela me perguntou se podia ir comigo? É uma caminhante experimentada, fala pouco e sempre quis fazer o Caminho, não havia porque dizer não. Então disse sim. E disse um sim muito contente, confesso que esta coisa de andar sozinha no meio do mato não estava propriamente a agradar-me.
No início praticamente não falamos sobre o assunto, mas eu em matéria de segurança e conforto não gosto de surpresas, por isso mantive-me alerta, em comunicação com outras pessoas que já tivessem feito o mesmo percurso, queria aprender.

Uma das minhas descobertas, por exemplo, foi a importância das meias. Nos blogues que visitei falavam muito das meias, mas eu sou forreta e tendo sempre a considerar que os outros são muito mariquinhas e gastam dinheiro à toa. Como tenho meias de desporto de boa qualidade foi o que decidi calçar nesses passeios iniciais em que procurava "fazer as botas ao pé". Mas ao fim de poucos quilómetros, as bolhas impiedosas que ameaçaram brotar como cogumelos pelas minhas extremidades fora esclareceram-me sobre a inevitabilidade de investir em meias apropriadas. E toca de correr em busca das meias perfeitas - nem muito quentes, nem demasiado finas, em tons discretos, com costuras planas para não massacrarem os pézinhos das meninas.
Devido à antecedência com que estava a tratar do assunto não poderia saber qual o clima que teríamos pela frente e tive de optar por uma escolha mista - 2 pares de meias de Forclaz 500 e dois pares de meias Forclaz 900 para testar.
Resolvi experimentar primeiro as mais grossas, calculei que protegessem melhor e evitassem as tão dolorosas bolhas. Parti para um passeio até maior que o normal, de uns 10 km, excitada por saber que teria os pés metidos em luvas de pelica. Errado. Ao fim de 8 km estava em casa com os pés praticamente em papa, transpirados, doridos e assados. As meias 900 são para o frio, ouviram? Para o frio. E no Verão não está frio.
Na vez seguinte, já menos optimista e mais ponderada, calcei as 500 e estas revelaram-se uma aposta muito mais inteligente - suaves, elásticas e frescas - e ainda por cima tinham sido compradas com um desconto de 50%.
Portanto, meias estavam resolvidas, julguei eu, só que a experiência revelou-se diferente. Mas já lá vamos.

Forclaz 900

Forclaz 500

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Indo eu,indo eu a Caminho de...Santiago #2 - Tudo começa nos pés- As Botas

Nunca viajei sozinha, aí está o primeiro desafio, mas não imaginava que a primeira vez seria no meio das montanhas a fazer trilhos a pé. Confesso que a ideia me assustava um bocado por ser um erro tremendo. Devo ser a pessoa mais desorientada do planeta, donde, meter-me a fazer uma viagem em que tudo o que preciso é de ser capaz de me orientar pareceu-me parvo, mas estava decidida.  Só precisava de me preparar, de saber com o que é que contava, que tudo correria bem. E lá fui eu pesquisar a internet em busca de informação.
De facto na Internet encontra-se tudo e, sobre este tema específico então, a informação disponível é infinita - ou pelo menos parece. Há blogs, sites e foruns em todos os idiomas, é só escolher.
Cruzei informação entre vários e descobri que antes das questões da orientação, o mais importante para se fazer uma caminhada desta natureza é o calçado. Serão muitos dias por montes e vales montados em cima dos pés, convém mantê-los sãos, confortáveis, seguros e secos. Dada a instabilidade atmosférica tipica da Galiza e a diversidade de terrenos que teria pela frente, a conclusão foi que a melhor opção seria o calçado próprio para montanha. 
Quer fosse quer acabasse por não ir a Santiago eu caminho muito na Serra, umas botas decentes faziam falta de qualquer maneira, por isso, ainda na Primavera, decidi resolver essa questão.
Por acaso, tal como a maioria das miúdas, tenho algum domínio sobre a temática "calçado", mas este tipo específico confesso que me saía totalmente do radar. Como fã #1 do Google que sou, lá fui eu para os sites todos aprender características, materiais, solas, costuras, alturas do cano, etc. Resumindo, para começar, os pés das mulheres e dos homens têm características diferentes, pelo que se aconselha calçado específico para cada um. Depois, para terrenos acidentados é melhor usar botas com cano (para protecção do tornozelo), impermeáveis, com sola em Vibram (diz que é uma tecnologia que permite aderência e amortecimento espectaculares), com reforço do calcanhar por causa do peso da mochila, em Gore Tex, o material impermeável e, já agora e se possível, que não sejam medonhas de fugir. A informação e comparativos são tantos e tão prolixos que fiquei confusa e decidi ver de perto. Lá fui eu para a Decathlon, local onde não sabia eu na altura, mas uns meses depois passaria bastante do meu tempo livre. Estava eu a olhar para as prateleiras com a mesma expressão com que olhava para a tabela periódica no 9o ano, quando vi uma rapariga a caminhar toda decidida na direcção das botas, pegar num par, verificar o tamanho e sentar-se a experimentar. Descalçou a sandálias, calçou uma bota, calçou a outra bota, bateu com os pés no chão, descalçou-se, calçou de novo as sandálias e ia calmamente embora quando euzinha não resisti e a interceptei. Perguntei-lhe porque é que tinha escolhido aquelas de forma tão peremptória e ela explicou-me que era monitora de caminhadas e depois de ter experimentado muitas e gasto muito dinheiro descobriu que aquelas eram as melhores e mais duráveis, por isso desde há algum tempo só comprava aquele modelo - usava-as até se desfazerem e depois ia lá comprar outras. Explicou-me que devia comprar o tamaho acima daquele que habitualmente calço e pronto, foi assim que decidi quais seriam as minhas companheiras nesta aventura. 
Lowa Renegade

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #1 - Antes de tudo há que decidir

Ando muito a pé. Geralmente vou caminhar muito cedo e, no meio do silêncio, à falta de melhor para me entreter, penso. Estou sempre a pensar. Não se pense que agora virei filósofa nem nada disso, na maior parte do tempo não penso mesmo em nada de jeito - se estendi a roupa, se o tipo da música diz "love" ou "lovin'", no que vou fazer para o jantar, se aquilo que acabou de me passar na cara era um cabelo ou uma teia de aranha.
Mas por vezes penso na vida. Penso no sentido de tudo isto, no tempo perdido, no futuro, em tudo o que já não vou ter tempo de fazer, no dinheiro, nos sonhos que ainda gostaria de realizar, nos desafios que tenho tido medo de enfrentar.
Estou a meio dos quarentas, os meus filhos estão crescidos, já tenho algum tempo para mim. Em Setembro do ano passado, decidi por isso cumprir não tanto um desejo antigo, mais uma curiosidade antiga: fazer o Caminho de Santiago. Não sou religiosa, apesar de a vida andar a desenvolver-me o lado espiritual, o que eu queria sentir era a experiência do peregrino, do despojamento, da partilha tanto de experiências como do espaço nos albergues, da exaustão física. Queria ultrapassar-me, sair da minha redoma e arriscar uma coisa totalmente diferente. Comecei a procurar companhia entre aquelas amigas mais prováveis, aquelas com quem em tempos havia abordado o assunto, mas não havia ninguém disponível e acabei por não ir. Este ano percebi que se estivesse sempre à espera do momento certo para toda a gente nunca iria e, como nunca viajei sozinha resolvi duas questões em simultâneo: iria e iria só eu. Já sabia que se ia meter o Verão e as férias por isso marquei logo comigo mesma a partida para o início de Outubro.
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Indo eu, indo eu a caminho de...Santiago de Compostela

Dizem que o Caminho chama por nós. Talvez seja verdade, não sei. 
A realidade é que foi assim mesmo – fui e nem sei bem porquê. 
Milhares fazem o Caminho todos os anos, mas cada um faz o seu Caminho. 
Aqui fica um testemunho, o meu, de todas as etapas desde a decisão até ao regresso: a escolha do percurso, as listas, o material, os treinos, o Caminho, o regresso. Tudo.
A quem possa interessar, tenho todo o prazer em que faça esta viagem comigo.
Vamos?