terça-feira, 31 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #17 - Etapa 3- Pontevedra-Caldas de Reis

Dormir num hotel é bom e sabe bem, já sabíamos isso, mas é mordomia com um problema: acordar de manhã é muito mais difícil (a caminha, o silêncio e a privacidade são um vício que nos agarra sem piedade), a saída é muito mais lenta e acabamos por fazer o percurso quase todo debaixo de um sol escaldante.
Pontevedra é uma terrinha muito gira. Toda em pedra, está bem estimada e limpa, nada como a grande parte dos sítios por onde temos passado, o que foi bom para variar. É um ponto de encontro de peregrinos, pelo que de manhã tem um grande movimento de mochileiros e táxigrinos - o nome que os mais profissionais da coisa dão à malta que vai de mãos nos bolsos, aqueles que pagam a alguém para lhes transportar as malas de destino para destino. Este movimento é intenso logo deste a bela ponte velha que junta as margens do rio Lérez, onde fizemos amizade com um super animado e enérgico grupo de seis aveirenses. Claro que aqui as lebres estavam com o fogo no rabo o que levou os nossos companheiros a cedo desistirem de nós.
Continuamos animadas e sozinhas, afinal estavam previstos apenas 21 km, o que era isso para nós, que vínhamos de um sobrevivo dia de 38? Mas assim que o sol se pôs a pique não sei se foi da estafa do dia anterior, se foi da exposição ao calor excessivo resultado da sorna matinal, não sei do que foi mas os meus pés começaram outra vez a doer, as plantas dos pés, o que nos fez abrandar e foi motivo de gozo dos aveirenses que depressa nos ultrapassaram.
É uma etapa com pouca sombra, com bastantes subidas e muito caminho pelo meio de vinhas. A certa altura entramos num café para comprar água, talvez o único por onde passamos nesse dia,  onde estavam duas peregrinas chinesas a carimbar as credenciais e eu aproveitei para carimbar as nossas também. Uma delas olha para a minha, topa o carimbo de um hotel e grita "oh, you been in a hotel? A hotel?" tão alarmada que, fosse o caso de eu não entender o inglês macarronico, ainda teria julgado que ela me estava a avisar que tinha uma víbora a descer-me pelo pescoço. Sim, um hotel, qual é o mal?
Também quase não há fontes neste percurso. E estava tudo tão seco! Todos os ribeiros e riachos, tudo seco. Verdade seja dita que de resto estava tudo absolutamente impecável: água fresca nas garrafas, paisagem bonita, mochila super, bolhas zero, chapéu cinco estrelas, mãos magrinhas. Tudo menos os meus pés. Oh os meus pés, a dor excruciante de caminhar sobre facas, caramba.
Perto de Caldas de Reis vimos um cartaz a anunciar o Albergue Cruzeiro e recordamos que o Miguel, o nosso monitor da Serra do Risco, nos tinha dito que ali teríamos de ficar no Cruzeiro, o albergue municipal é impróprio para consumo, diz ele, nós não sabemos. Agarro no telefone e, fazendo o melhor uso daquele idioma universal que é o portunhol, marco um quarto. Era para quatro pessoas, mas não fazia mal, custava 12€ a cada uma e sempre seria melhor partilhar o espaço com outros 2 que com outros 22.
Lá chegamos, eu de rastos, a Inês fresca como se em vez de 23 quilómetros tivesse caminhado 23 passos (mais uma vez ludibriadas pela internet). Por mero acaso fomos direitas às águas, o sítio onde a tradição manda mergulhar os pézinhos à chegada, mas a simples visão de vários pares de extremidades transpiradas, e quiça micóticas, a demolhar no mesmo tanque fez-nos quase correr para o albergue onde a ausência dos nossos companheiros nos permitiu uma belíssima e bem mais higiénica banhoca.
Pouco depois eles chegaram, a Donatella e o Enrico, um casal de pequenos sexagenários italianos que pareciam dopados. Nós deitadas nas nossas camas, de pernas para o ar, vaselina a absorver nos pés, sem energia nem para alongar as pálpebras e eles, mais ela na verdade, num frenesim: lavou roupa, estendeu-a, desmancharam mochilas, fizeram camas, tomaram um duche e desandaram porta fora. Já nós só saímos um bom bocado depois. Arrastámos-nos pelo passeio, fomos ao supermercado e acabamos abancadas primeiro numa esplanada onde bebemos umas cervejas bem fresquinhas com o Jeremiah, que entretanto apareceu ali sozinho com o seu belo sorriso e um calcanhar todo deitado abaixo, e a seguir, de novo sozinhas, num tasco de aspecto duvidoso mas bastante pitoresco onde comemos umas muito boas tapas acompanhadas de mais umas cañas. 
As mesas corridas facilitam este tipo de interacção e acabamos a partilhar a nossa com um grupo de cinco divertidos alentejanos de Torres Novas - três rapazes e duas raparigas. Vinham de Valença, como nós - aleluia! já começávamos a achar que ninguém partia de tão perto de Santiago como nós. 
Regressamos ao nosso albergue um bocadinho às pressas com receio de acordarmos os nossos parceiros idosos apenas para constatar que eles ainda não tinham chegado. E já o fizeram uma boa meia hora depois de nós, os doidos. Conversamos ainda durante um bocado mas a noitada não os impediu de se levantarem ao toque do nosso despertador, às 5.30 da manhã (já não íamos arriscar outra caminhada à torreira do sol, somos parvas ou quê?) frescos e enérgicos como no dia anterior. 
o Caminho e os amigos italianos


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