quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Antes de começar, um post a explicar

Aqui entre nós, Newton não foi nenhum génio, só nasceu na época errada. Passou anos a estudar aquilo que, tivesse ele nascido na década de 70, lhe bastava ter passado 24 horas a observar nesta vossa amiga: um corpo parado, se não for exercida sobre ele nenhuma força que o obrigue a mexer-se, tende a permanecer parado.
Tal e qual.
Apesar dos insistentes esforços da minha mãe, que considerava o desporto fundamental para o desenvolvimento dos filhos e nos inscreveu em todas as modalidades que existiam na época, consegui passar anos parada. Parada e convicta de que fazia lindamente, a minha cena era mais intelectual - em boa verdade era mais galhofa, mas pronto. Nunca gostei de transpirar, nunca tive equilíbrio nem pontaria  e nunca tive a chamada "queda" para nada que não fosse para de facto cair (a minha mãe diz que só me sentei com 12 meses e só andei aos 2 anos, por aqui se vê…). Em suma, nunca tive jeito para o desporto - assim mesmo, genericamente, para o desporto como uma grande, complexa, mal cheirosa e absorvente actividade.
Já no que diz respeito ao alimento, desse sou muito amiga. Adoro comer, adoro comer muito e adoro comer bem. Ora, se a pessoa come muito e bem e não se mexe assim tanto acaba por acontecer o que me aconteceu: fiz 40 anos e as banhocas instalaram-se em volta da barriga e das coxas e dos tornozelos como verdadeiros ocupas num prédio abandonado, dispostas a não arredar pé nunca mais. Mas eu era na boa, sem stress, bem disposta, alta auto estima.

Eis senão quando as análises clínicas começaram a vir com valores como colesterol e triglicéridos completamente fora dos parâmetros e comecei a sofrer de problemas de pessoa idosa como fadiga, azia e enfartamento.
Só que eu tinha uma excelente desculpa: falta de tempo. Emprego a tempo inteiro, filhos pequenos e um marido que trabalha muito longe de casa foram durante anos o perfeito alibi, devidamente suportado noutro argumento de peso: rir faz milagres pela saúde, toda a gente sabe, e eu rio tanto que, se começasse a cuidar de mim corria o risco de me tornar eterna, portanto estava-se bem.
Ao contrário da sua fatigada e rechonchuda esposa, o meu companheiro sempre foi um atleta, ou seja, aos 40, enquanto eu implodia lentamente, ele estava cada vez mais saudável, em melhor forma e mais atraente, farto de me ver a arrastar-me e cheio de vontade de me levar com ele nas suas actividades. Mas eu, nada. Firme e irredutivel na minha convicta imobilidade.
Só que os filhos cresceram e um dia, há cerca de 2 anos, fiquei desempregada. De repente tive tempo fisico e mental para olhar para mim, para repensar tudo, reavaliar as minhas opções e o meu futuro. Foi quando decidi mudar. Já que teria de mudar de vida aproveitava e mudava a vida.

Comecei por me inscrever num ginásio, mas aquilo não é para mim. Então comprei uma bicicleta e começamos a dar umas voltas juntos, o marido e eu, actividade que hoje em dia fazemos com muita frequência (sim, mais do que truca truca) e que eu adoro (sim, menos que de truca truca). Quase em simultâneo arranjamos uma cadela e foi aí que descobri o que gosto mesmo de fazer: caminhar. Comecei por fazer umas caminhadas curtas sozinha, depois com ela e, gradualmente, tenho vindo a aumentar as distâncias e a dificuldade dos percursos.
Nos últimos tempos aprendi que quando fazemos alguma coisa por nós próprios sentimos-nos melhor, gostamos mais de nós, andamos mais felizes e atraímos coisas boas para a nossa vida.
Estou de facto mais feliz, sinto-me melhor e a nossa relação de 20 anos está a readquirir uma certa frescura, portanto, confere.
Continuo sem ser nenhuma maluca do desporto, mas estou em bastante melhor forma. Apesar de detestar cozinhar também ando a tentar corrigir alguns maus hábitos alimentares, quase não fumo e, como saímos muito pouco, também bebo menos (não muuuuito menos, mas menos).

Portanto, decidi partilhar aquilo que tenho vindo a descobrir e  como forma de me manter motivada a aprender cada vez mais.

Aqui podem encontrar sugestões de actividades mais ou menos intensas, percursos grandes e pequenos, fáceis ou difíceis, em trilhos ou estradas, para fazer de bicicleta, a pé, nas férias, ao fim de semana, a andar, a correr, com o cão ou sem o cão, em Portugal ou fora daqui, com amigos ou em paz com a Natureza. Pode ser que também encontrem dicas de nutrição e exercícios (devidamente monitorizadas pelo meu parceiro atleta), sugestões de equipamentos, receitas simples e o que mais surja e faça sentido.
Entretanto, perguntem o que quiserem que ficarei sempre feliz em ajudar no que puder.

Vamos a isso?

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #19 - Etapa 4 - Padron - Santiago

Já dizia Einstein, julgo eu, que a diferença entre o Universo e a estupidez é que a estupidez não tem limites. De facto, a minha não tem mesmo.
Pois que decidimos partir de Padrón rumo a Santiago em plena hora de almoço sem sequer almoçamos. A temperatura estava de fornalha e já levávamos cerca de 20 km nas pernas, mas não, não pensamos em nada disto. Para nós era tudo facilidades. E ao princípio até correu bem, só que cerca de 5km depois da partida começaram a doer-me os pés outra vez. Durante os 23 km que se seguiram (sim, porque de Padrón a Santiago são perto de 28km) foi sempre a piorar. Depois dos pés, durante algum tempo também tive dores nos quadríceps mas essas dores pararam e deram lugar a dores nos gémeos. Passado um tempo os gémeos deixaram de incomodar mas surgiu uma dor aguda na base das costas que acabou por desaparecer para ceder passagem a um inchaço violento nos pulsos que acabou por desaparecer para deixar brilhar uma intensa dor nas canelas. 
Em suma, acho que o meu corpo começou a ficar tão cansado que desatou a disparar dores aleatórias na esperança que alguma delas me fizesse parar. Enganou-se. Por esta altura o meu corpo já devia saber com quem está a lidar, se era para chegar a Santiago a pé, pois chegaríamos a Santiago a pé.
É incrível como dependendo do estado de exaustão em que nos encontramos a nossa percepção das distâncias muda tanto. Se os primeiros 20 km feitos em pouco mais de 4 horas nos pareceram um passeio no parque, agora cada 100 metros pareciam uma peregrinação inteira. Mas continuamos. E não paramos. E fomos falando cada vez menos até nos limitarmos a palavrões. Sim. Palavrões. Feios, porcos e maus, sussurrados com a cadência de uma respiração ofegante: "fodaaaaaaaa-seeeeeee, porra, merda, cabrões..." enfim.
À entrada de Santiago, 12 horas depois da partida, mortas e sem bateria nos telemóveis, de cada vez que perguntávamos a direcção da Catedral a alguém as pessoas levantavam as sobrancelhas e, com a mesma expressão chocada com que responderiam se tivéssemos perguntado o caminho para Nova Iorque a partir de Toronto, agitavam a mão na direcção correcta e proferiam um "toooodo recto, tooooodo recto". Posso garantir que naqueles momentos tudo conta, tudo desmotiva, e aquela expressão no rosto das pessoas, oh se desmotiva. 
Era noite escura quando chegamos à entrada do passeio que leva à Catedral. Tinham passado 13 horas desde a partida de Caldas de Reis. Estávamos exaustas, com fome, sede e dores nos pés. Passou um táxi, entramos, demos a morada do Hostel e decidimos deixar a apoteose para o dia seguinte, quando estivéssemos capazes de apreciar o momento.
Na manhã seguinte acordamos muito cedo, tomamos um soberbo pequeno almoço na cidade velha, pedimos a nossa Compostela (essa sim, a verdadeira peregrinação com centenas de pessoas na fila), visitamos Santiago de lés a lés, almoçamos maravilhosamente numa esplanada junto da Catedral, metemos os nossos rabiosques num muy cómodo autocarro FlixBus e rumámos ao Porto onde apanhamos o comboio para Lisboa.
A conclusão:
Foi sem dúvida uma experiência intensa. O desafio físico, o teste dos nossos limites é muito interessante. Somos muito mais resistentes e estes estão sempre muito mais longe do que nós julgamos.
Não teve aquele impacto espiritual que eu esperava, não se acendeu nenhuma luz dentro de mim nem regressei uma pessoa diferente - sou a mesma com menos uns 2 kg, vá. Mas há uma espécie de cordão que nos liga aos outros peregrinos, uma certa dimensão humana proveniente da partilha de um destino, que eu adorei. Adoro pessoas, adoro conversar com pessoas, adoro saber das pessoas. Somos todos tão diferentes, é tão enriquecedor. Como disse Pío Baroja "... o nacionalismo cura-se viajando". Não podia estar mais de acordo.
É mais que certo que repetirei, mas com algumas correcções: gostaria de descobrir um percurso mais bonito, os dois primeiros dias deste deixaram muito a desejar; a distância máxima entre etapas terá de ser de 30 km, nunca mais que isso; acabaram-se os albergues, sempre que possível ficarei em hotéis; e terei de comprar umas palmilhas para as botas. 
Com estas condições acho que para a próxima vou desde o Porto. Ou desde França.

Espero que tenham gostado, se nem por isso, pelo menos que este relato venha a ser útil a alguém que tenha planos para embarcar numa aventura destas.

Obrigada por me terem acompanhado, continuarei por aqui a partilhar o que eu acho sobre coisas. 




quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de... Santiago #18 - Etapa 4 - Caldas de Reis - Padron (Santiago)

Ok, esta coisa do albergue ter a sala de refeições fechada é chata.  Como batemos com o nariz na porta acabamos a tomar o pequeno almoço sentadas na recepção, mas pronto. Fez-se.
Ainda estava noite cerrada quando partimos. Não se via vivalma nas ruas e nós sabíamos tanto para que lado ir como se estivéssemos em pleno deserto do Sahara. Vagueamos um pouco por ali quando reparamos numa mochileira com uma cabeleira tão loira e encaracolada que parecia feita de fusili, a caminhar de mapa numa mão e lanterna na outra, toda rápida e decidida. Fomos atrás dela. Era israelita, cerca de 50 anos, e estava a fazer o caminho com a mãe, que estava cansada e nesse dia faria a etapa de táxi. Explicou-nos a direcção mas não estava para conversas, queria despachar-se, e desandou. 
A nossa ideia era fazer a etapa até Padron e deixar para o dia seguinte o resto do percurso até Santiago de Compostela. Fizemos os primeiros cerca de 20 km num instante. Estava fresco, os meus pés aparentemente estavam a habituar-se à selvajaria a que eu tinha decidido submetê-los nos últimos dias, tudo bem. 
Chegamos a Padron antes da hora do almoço, frescas e bem dispostas. Sentamos-nos num banco de uma praça a comer barritas da Tia Cátia e a beber água, olhámos em volta, olhámos uma para a outra...  e decidimos continuar. Afinal dali a Santiago era só mais uma tirada parecida com a que tínhamos acabado de fazer tão bem, seriam 40 km num dia, já dois dias antes tínhamos feito 38km e sobrevivido. 
Sabíamos que íamos chegar tarde, decidimos não arriscar a partida sem termos a dormida garantida. E fizemos tão bem. Não havia vagas em nenhum dos hotéis, albergues e hostéis para onde ligámos e estávamos mesmo quase a desistir quando por fim conseguimos reservar duas camas num hostel que nem sequer percebemos onde era ao certo. Mas tínhamos consciência de que chegaríamos muito cansadas, essa salvaguarda deixou-nos mais confiantes. 
Demos uma volta em Padron, terra de onde são originários os pimentos de Padron, uns são picantes outros non, como disse um dos alentejanos com quem partilhamos a mesa na véspera, entrámos na bela Igreja, conversamos com uma senhora muito simpática que nos explicou muitas coisas, entre elas o significado da concha dos peregrinos: os apóstolos eram todos pescadores, a concha simboliza o mar. Também, pelo seu formato, serve para comer e para beber, e por isso para partilhar, é este o espírito do peregrino. 
Estava certo, decidimos comprar uma concha para cada uma em Santiago, só então seríamos peregrinas encartadas.
Por volta das 13h partimos rumo a Santiago de Compostela.