quarta-feira, 24 de maio de 2017

Mais expectativas (um post em fascículos - parte 2)

E se, logo desde o momento em que ficamos grávidas, passamos a viver em crescente expectativa  Espero que esteja tudo bem. Espero que seja saudável. Espero que seja feliz. Espero conseguir ser boa mãe. Espero não engordar muito, então a partir do momento em que a criança nasce a nossa existência passa a ser toda ela uma gestão permanente de expectativas. De repente vivemos num estado constante de conflito entre o que desejamos/ esperamos/ fazemos tudo para que aconteça e o que acontece na realidade.
Mas as expectativas não são todas iguais. Há diversos tipos, consoante a fase em que nos encontramos:

A expectativa escatológica:
Esta é logo a primeira e caracteriza-se pela ansiedade causada pelas necessidades fisiológicas do bebé. De repente as fraldas, fluidos e gases emitidos pelas nossas crias são investigados com uma minúcia de fazer inveja ao CSI - o cocó não pode ser muito verde mas não deve ser amarelo, não pode ser duro mas não deve ser demasiado mole, não pode ser pouco, mas cuidado se for demais, não pode ser raro mas demasiado frequente também é mau. O arroto tem de ser audível, produzido nos dois minutos depois de comer, com ele apoiado sobre o ombro demora mais 30 segundos, com ele inclinado para a frente é mais rápido mas bolça, mas se não arrotar fica com soluços. O bolçado aceitamos que exista mas não pode ser torrencial e jamais conter mais de 0,005dl do leite que o bebé acabou de tomar ou então temos de lhe dar mais 30ml ou assim. Os puns, oh os puns. Os puns têm de ocorrer várias vezes por dia, nem que para isso tenhamos de espalmar os intestinos da criança com o rolo da massa. Têm de ser suficientes para aliviar as cólicas mas não tantos que se tornem um incómodo olfativo. Enfim, perceberam a ideia?

A expectativa paternal:
É a expectativa que colocamos no desempenho do pai e consome muitos anos da nossa vida (e da dele). A expectativa paternal tende a aumentar na proporção inversa da escatológica e na proporção directa da quantidade de filhos que se vai tendo: estamos exaustas, esperamos que ele chegue a casa a horas para os banhos; estamos fartas de cozinhar, esperamos que ele tome a iniciativa de fazer o jantar; o bebé está a dormir, esperamos que os gritos dele a ver a bola não a acordem;  é a festa da escola, esperamos que ele apareça e a horas; a criança está doente, esperamos que ele divida as faltas ao trabalho connosco; o mais velho tem piano, esperamos que ele leve a mais nova à natação; a mais nova tem médico, esperamos que ele vá buscar o mais velho; é o aniversário do puto, esperamos que ele colabore. Invariavelmente, parte destas acaba em discussão.

A expectativa conjugal:
É a expectativa que colocamos na relação e tem a característica engraçada de aumentar na proporção directa do nosso cansaço - quanto mais atarefadas, quanto mais cuidamos de tudo, mais expectativas criamos em termos de mimo e atenção.
É Dia da Mãe, esperamos ter um dia especial; estamos gordas, esperamos que ele não sugira ir à praia; mudamos a sala, esperamos que ele elogie; fazemos uma refeição, esperamos que ele elogie; lavamos roupa, esperamos que ele elogie; vamos ao supermercado, esperamos que ele elogie; arrumamos os roupeiros todos, esperamos que ele elogie; é o nosso aniversário esperamos que ele perca mais de cinco minutos a comprar-nos um presente; estamos com gripe, esperamos que ele nos faça um chá; estamos exaustas, esperamos que ele segure as pontas.
Ou então só esperamos um abraço, um sorriso cúmplice, uma palmadinha nas costas simbólica. Mas esperamos sempre alguma coisa. Estamos cansadas, percebem? Cansadas, não, exaustas. Com raízes, com unhas partidas, com um cinto de chumbo atado às ancas. Percebem? Às vezes não, nós sabemos. É complicado. Até para nós é complicado, já vamos ver isso.
(Maridos, uma dica para vocês: abram os olhos e os ouvidos. Observem. Ao contrário do que vocês dizem, nós somos bastante claras, vocês é que estão distraídos).

A expectativa da super mulher:
Esta é a pior porque somos nós que a impomos a nós mesmas. Todas nós temos a mania de não podermos falhar, que errar não é uma opção. Aquilo de dizermos que os outros é que esperam isso de nós, bem, isso eu ainda estou para perceber se acontece mesmo ou se é uma invenção da nossa cabeça. Estou convencida de que nós é que achamos que temos de fazer tudo, tudo sempre e tudo sempre bem feito. Achamos que temos que ser mulheres à prova de bala, apresentar os filhos sempre impecáveis, trabalhar fora e bem, manter a casa em ordem, receber como a realeza e zelar pela felicidade no casamento de unhas pintadas, nuances perfeitas, maquilhagem no ponto, saltos altos e barriga encolhida.
Ui, e se não, o que é que pode acontecer? Tiram-nos os filhos, somos despedidas, abandonadas pelo marido, renegadas pelos amigos e achincalhadas pelos vizinhos?
Quer dizer, eles podem ficar barrigudos, carecas, roer as unhas e ressonar como um motor a quatro tempos que é na boa, mas nós ficamos ansiosas e deprimidas se não formos um andróide com o aspecto da Alessandra Ambrosio, o cérebro da Marie Curie, a paciência da Maria Von Trapp, o talento da Nigella e a organização do Ikea. Porquê?

Porque somos... qual é mesmo o termo científico? "Parvas". É isso. Porque somos umas parvas. Porque ao entendermos que sabemos fazer tudo melhor e de forma mais eficaz e mais... vá, melhor, chamamos a nós a responsabilidade de sermos nada menos que perfeitas. E a exigência de perfeição em nós acaba por se reflectir numa exigência de perfeição nele - no marido/ companheiro/ gajo que anda por ali. Essa exigência, ao não ser correspondida com a mesma intensidade, acaba por se transformar em desilusão.

Eu sei que a exigência está relacionada com a necessidade de controlo. Nós queremos, nós precisamos de ter a vida controlada. A bem dizer, tem de estar um bocado controlada, caso contrário é o caos. Mas não é preciso estar toda controlada, controlada em todos os momentos e ínfimos detalhes, até porque a vida é uma maluca imprevisível e troca-nos as voltas sempre que lhe apetece e sem pré-aviso. Só que a exigência gera expectativa e a cabra da expectativa gera desilusão. E a desilusão gera um monte de problemas- uns graves tipo rugas e outros menos graves tipo divórcio.

A verdade é que, com vontade tudo se resolve. O papel que cada um desempenha na relação tem de estar claro para ambos. As tarefas a desempenhar por cada um têm de estar claramente definidas, aprovadas e ambos têm de estar focados em cumprir a sua parte.
Se assim for, não precisamos de estar cá com expectativas, pelo contrário, podemos deixar a vida surpreender-nos.

Se assim não for, bem, a porta da rua é serventia da casa.

1 comentário:

  1. Eu costumo dizer que o ser mais machista à face da Terra é a mulher.
    Enquanto mães, é o "deixa que a mãe faz, amor". E depois, enquanto esposas, é o "deixa que eu faço..." a) amor, que estás cansado, ou b) parvalhão, que não sabes fazer nada e se não sou eu a fazer, nada de jeito se faz nesta casa".

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