sábado, 29 de abril de 2017

Jogo da Baleia Azul ou Jogo do Porco Beje?

As últimas  notícias dão conta de umas pessoas que, através de mensagens na Internet, convencem os adolescentes a fazerem as maiores idiotices durante 50 dias, até acabarem por se suicidar.  
O alegado criador do jogo chama-se Filipp Budeykin e é um jovem russo aparentemente meio doido e estúpido. 
Por aqui se vê que isto na Russia está mesmo mal- então o rapaz tem uma ideia tão vencedora e depois concretiza-a de forma tão pobrezinha, com cenas de auto mutilação e filmes de terror e suicídios? Que jeito tem isso? 
Realmente as pessoas não conseguem ver uma boa ideia nem quando são elas a tê-la, caramba! 
O conceito é um verdadeiro portento com um potencial extraordinário, fiquem sabendo. 
Pois se um russo qualquer, que eles não conhecem de parte nenhuma, desata a enviar desafios aos nossos adolescentes via redes sociais e eles vão a correr cumprir, então imaginem onde nós, os pais que eles adoram e respeitam, podemos chegar com isto.
Temos de fazer já a versão Portuguesa do jogo. 
Para começar, as nossas versões são sempre muito melhores. Temos os melhores descobrimentos, os melhores estádios, os melhores pasteis de nata ... com umas pequenas alterações será fácil termos também o melhor Jogo.
Para evitarmos acusações (falsas) de plágio, vamos começar por lhe mudar o nome para Jogo do Porco Beje. A Baleia Azul não tem graça nenhuma. Até é fofinha, mas é enorme, come imenso e arrasta-se por ali sem fazer nada de especial na vida. É, já vimos isto em qualquer lado, não já? O Porco também é porco, mas dá um exemplo melhor. Quer dizer, também anda por ali sem fazer nenhum, mas é muito fácil de treinar (capacidade que pelos vistos não é comum aos seres humanos de certas idades), é autónomo (suponho que não passe a vida a pedinchar dinheiro e boleias) e come pouco (isso é que era!). A cor também é importante porque há sempre aquelas embirrações do que não gosta de azul e do que prefere roxo, assim usa-se um tom neutro que fica sempre bem e toda a gente fica feliz.  
A estrutura base será semelhante: envio de desafios via redes sociais, só que em vez destes, os nossos serão úteis e construtivos e giros (hum... giros talvez não).

Critérios:
Para começar serão menos. 50 desafios é imenso. Os coitados dos miúdos, se até para fazerem as provas de aferição do 4º ano têm crises de ansiedade, então depois de 50 desafios nem é preciso mandá-los matarem-se, eles já foram sozinhos.
Portanto, faremos a coisa com uns 10 ou 15 desafios. Até é mais simples para nós nos lembrarmos, que a pessoa já não vai para nova e às vezes esquece-se das coisas.
Depois, os desafios não podem exigir resposta verbal. Os adolescentes demonstram grande dificuldade com a verbalização no geral, mas com os progenitores em concreto, limitando as interacções a grunhidos (reparo agora que até nesta matéria o porco faz sentido). 
Por fim, também não podem exigir que eles se movimentem sem arrastar os pés. Tal como o porco não consegue olhar para o céu, a anatomia do adolescente não lhe permite movimentar-se sem arrastar os pés.

Os Desafios:
1 - Toma um duche. Envia foto ao curador. Repete por 30 dias consecutivos.
2 - Arruma a toalha de banho. Repete todos os dias por 30 dias consecutivos.
3 - Faz a tua cama. Repete todas as manhãs por 30 dias consecutivos.
4 - Arruma o teu quarto. Repete todas as manhãs por 30 dias consecutivos.
5 - Tira o lixo que está dentro da tua mochila. Envia foto ao curador. Repete no mínimo 3 vezes ao longo de 30 dias
6 - Quando saíres do teu quarto leva as taças de cereais que estiverem sobre a tua secretária. Ouviste?Repete por 30 dias consecutivos.
7 - Mete o equipamento da ginástica para lavar. Repete todas as 3ªas e 5ªs.
8- Põe a mesa sem reclamar. Repete 15 vezes em 30 dias.
9 - Levanta a mesa. Sem reclamar (e deixa o chão varrido, os restos no frigorífico e a máquina ligada). Repete 15 vezes em 30 dias.
10 - Vai estudar. Repete em 22 dos 30 dias.
11- Limpa a pasta de dentes do lavatório. Repete por 30 dias consecutivos.
12 -Tira aquela porcaria que está e entupir o ralo da banheira. REPETE TODOS OS DIAS. TODOS.

Estão a ver como é simples? 
Claro que dá para adaptar, podemos incluir desafios que envolvem transportar os irmãos, aspirar a casa ou massajar-nos os pés. Isso agora é com cada um.

O Desafio final.
Cumpridos todos os desafios com sucesso, chegamos ao objectivo do jogo, o Desafio Final. Este será sempre o mesmo e consiste no envio de uma mensagem ao adolescente no último dia do mês com o texto:

DESAFIO FINAL - Vem receber a tua mesada. Repete uma vez em cada 30 dias.

E pronto, agora é só começar. 

Eles vão adorar não vão?



sexta-feira, 28 de abril de 2017

Alguém que me explique por favor #1 - Detergente Surf

Uma coisa que sempre me irritou foi a publicidade aos produtos para o lar e para a família usarem sempre o mesmo conceito de: mulher = dona de casa competente = cozinheira do caraças = mãe extremosa.
Como se:
a) as mulheres fossem todas assim e todas iguais
b) os homens não existissem dentro de casa.
Entretanto este tipo de comunicação ficou completamente datado e começamos a ver umas coisas mais modernaças e arrojadas, tipo uns anúncios da Knorr em que é o protagonista é um Chef famoso e tal.
Mas, como esta malta corre veloz, eis que dou de caras com isto:



Confesso que fiquei baralhada. Não sei, talvez seja eu que sou meio burra, mas a visão do rapaz-strip-dancer-ex-jogador-do-estrela-da-amadora-com olhar-de-galã-dos-olivais em tronco nu ao lado da embalagem de Surf, eu cá não sei, mas a mim não me atinge nem de raspão.
Querem o quê, que eu vá a correr comprar Surf porque me pode calhar um destes dentro do frasco? A roupa lavada com Surf faz o meu homem ficar com este aspecto? É suposto eu desejar isto?
Ah, espera, já sei! Isto é a nouvelle vague da publicidade, daaah, os detergentes estão a comunicar para os homens, que parva!
Então, se comprares este detergente a tua miúda passa a olhar para ti como se fosses este gajo? Não precisas de ir mais ao ginásio porque lavar a roupa com Surf dá-te este corpinho?
Se és Homem fazes as tarefas domésticas, compras Surf e orgulhas-te?
Bem, se é essa a ideia deixem-me dizer que tenho uma muuuuuito melhor. Eis o guião:

"Vemos um quarentão pintoso entrar em casa com os dois filhos pequenos depois de um dia de trabalho. Mesmo antes de despir o casaco, ele dirige-se à cozinha, pega no cesto da roupa suja, despeja-o na bancada e começa a ver as peças uma por uma. Separa a roupa branca da de cor e, após uns segundos de ponderação, decide fazer a máquina de brancos.
Tira uma nódoa de gordura de uma toalha com detergente da loiça, esfrega uma outra mancha numa blusa com SuperGel e borrifa umas cuecas com spray de pré-lavagem. Mete a roupa dentro da máquina, despeja o maravilhoso Surf no depósito, e liga-a. Começa a fazer o jantar.
Vamos alguns planos rápidos dele a ligar o micro ondas no "descongelar", a picar uma cebola, a regar o fundo de uma panela com azeite, a largar um foda-se quando a gordura lhe salpica a gravata. Vemos o arroz de frango no forno enquanto ele dá banho aos miúdos. Mais uma série de planos dele a secar-lhes o cabelo, a vesti-los, a lutar com eles para calçarem as meias, a correr para a cozinha, a tirar o arroz do forno e a por a mesa.
Vemos a mulher entrar em casa, estourada, e sentar-se no sofá. Ele chama para a mesa, mas ela não vai logo porque está a ver uma coisa no telemóvel. Vemos que ele chama de novo e ela lá se arrasta, descalça, sem tirar os olhos do telemóvel. Durante o jantar falam pouco, ela ignora as crianças - deve ter trabalho para fazer porque continua agarrada ao aparelho. Depois do jantar ela abanca a ver o Benfica. Ele vai estender a roupa. Ela vibra com cada oportunidade de golo e ele, enquanto arruma a cozinha, consegue perceber o que vai acontecendo pelos gritos de alegria ou fúria que escuta. Ela envia-lhe um sms cheio de emojis queridos a pedir para, quando ele puder, lhe levar uma cerveja. Ele acaba de preparar os almoços para o dia seguinte, pega na cerveja e vai ter com ela à sala. Quando olha para o televisor o jogo já terminou e ela está a ressonar no sofá".

Isto é que era um anúncio, qual rapazinho de tronco nu. Deixem-se de tretas!





quarta-feira, 26 de abril de 2017

Não há pachorra para as fotografias dos outros

Um dos bons hábitos que felizmente se perdeu foi o de ir a casa dos amigos para ver fotografias. A sério, aquilo era intolerável. Podiam ser as do casamento em Sintra, da lua de mel na Tailândia, do baptizado do pequeno Duarte ou dos quadros todos do Museu do Prado, era indiferente, todos fugíamos a sete pés das sessões intermináveis de fotografias acompanhadas de relatos detalhados das peripécias vividas no Natal de 1987 em casa da Avó Rita. Todavia, se é verdade que nos queixávamos quando nos convidavam (e uma vez ou outra até fomos nós a convidar), também é verdade que secretamente procurávamos os retratos em que  nós próprios aparecíamos para criticarmos logo com imenso género, ai que horror estava péssima, parecia um pote! ao que alguém respondia, estavas nada, estavas o máximo, quem me dera! Em eventos onde não tivéssemos participado não havia essa hipótese, logo, o estímulo para vermos as imagens diminuía ainda mais e então a cenoura passava a ser avaliar se afinal a Sandra de fato de banho era tão magra como parecia ou se o Paulo ia para a praia de sapatos de vela e panamá do Turismo de Portugal.
Satisfeita a pequena curiosidade, lá fazíamos o frete de ver mais algumas fotos enquanto nos embebedávamos à pressa para termos uma desculpa para disparatar e acabar com aquilo porque, na verdade, nos estávamos a cagar. Quer dizer, no fundo, até os próprios reconheciam que passar horas a desfolhar imagens de praias paradisíacas com vietnamitas sorridentes, ou do concerto da Madonna em que ficaram mesmo lá à frente era, no mínimo, exigente. Exigente ao nível da paciência e exigente ao nível do vocabulário. É que às tantas esgotavam-se-nos as exclamações de agrado forçado, já não havia mais alternativas para uau!, que giros!, que máximo!, espectáculo!, isto é o paraíso!, estás igual à tua mãe!, que inveja!, que maravilha!, que beleza!. 

Por outro lado, em pequenos ensinaram-nos que ter inveja era mau e provocar inveja ainda era pior. No geral, havia como que um certo pudor que estava relacionado com padrões de educação.
Aliás, essa espécie de pudor existia relativamente a uma data de outras coisas, todas relacionadas com o exibicionismo: ninguém gostava dos convencidos, dos que se gabavam do carrão desportivo, da bombástica namorada nova, da nota espectacular do exame de Matemática. 
Para nos gabarmos sem sermos gozados até à náusea, tínhamos de o fazer com muito jeitinho e apenas dentro de um grupo muito restrito de amigos, e mesmo assim, nem sempre tínhamos sorte.
Ora, também isto era um pau de dois bicos. Se, por um lado, às vezes nos sentíamos orgulhosos e queríamos exibir os motivos desse orgulho, por outro, também sabíamos como nos sentíamos quando os outros se exibiam para cima de nós, de maneira que evitavamos ser demasiado chatos.


Mas depois apareceram as redes sociais. Um belo dia o pudor foi-se, com ele foi-se o receio de se ser aborrecido, e tudo passou a ser exibível e partilhavel. Mas tudo mesmo.
De repente passamos de não ter pachorra para ver o álbum de férias dos nossos melhores amigos para a absorção ávida e diária de fotografias e textos que ilustram (ou gostavam de ilustrar), a vida de pessoas que mal conhecemos. 
Por exemplo, hoje eu sei que a minha ex-colega de carteira da escola primária, que vive em Roterdão, celebrou o 25 de Abril a comer uma caldeirada de peixe com uns amigos holandeses, sentados a uma mesa com uma toalha medonha e um talher de cada nação. Também descobri que a mulher do meu chefe fez uma tatuagem de uma malagueta na virilha esquerda e queria que ele também tivesse feito mas ele teve medo, e que a minha amiga Laura, que passa a vida a chorar porque o marido é um cretino, publica fotografias dos dois na cama para fazer ciúmes à ex-mulher dele. Também fiquei a saber que toda a gente passou a Páscoa na neve (se fosse eu obrigava a RayBan a pagar por tanta publicidade) e que com a dieta da Pronokal vou conseguir emagrecer completamente porque são óptimos e não nos largam e não nos deixam desistir.
Hoje, conheço de cor as preferências clubísticas de todos os meus "amigos", o que comem ao pequeno-almoço e a posição que cada um tem sobre o tema daquele dia, seja as vacinas, o Trump ou o penalti que o arbitro não assinalou ao Benfica mas toda a gente viu. Não raras vezes dou por mim a dar os parabéns ao pai de alguém que mal conheço e os pêsames a pessoas que falam com os seus falecidos através de mensagens colocadas no seu mural.
Há uns tempos eu já nem me lembrava da maior parte dos meus "amigos", hoje sei que os filhos deles são criaturas extraordinárias, perfeitas, atléticas, caridosas, intelectualmente sobredotadas e sem acne - é chato, porque os meus não passam se seres humanos com imensos defeitos, algumas qualidades e umas quantas borbulhas. Há uns anos eu considerava natural ter um emprego normal com dias bons e outros assim assim, hoje sei que sou uma desafortunada porque entre os meus "amigos" há vários abençoados com o melhor emprego do mundo, ou com a melhor chefe do mundo ou com a melhor língua para lamber cus do mundo

É claro que isto só acontece porque eu deixo. Porque, de repente, a anteriormente desinteressante vida dos outros passou a interessar-me, porque descobri prazer num certo voyeurismo, porque sociologicamente me intriga o nível de exposição a que as pessoas se entregam, ou porque não tenho nada mais útil onde gastar o meu tempo. 
Mas, se eu quiser ignoro. Está nas minhas mãos ver o que quero, quando quero e apenas se quiser. Posso ser daquelas para quem aqueles mais activos dirigem bocas do género "olá para ti, que andas aqui a ver mas não dizes nada". Se eu quiser posso ser uma mirone. Posso ver e ignorar. Ver, formar o meu juízo de valor (sempre muito útil) e ignorar. Ver, comentar ao telefone com as minhas amigas, e ignorar. Não há nenhuma lei que me obrigue a participar activamente, por isso faço como bem entender.

Mas essas pessoas que gostam que os outros saibam tudo e pensem sobre as vidas delas também querem que os outros opinem, que gostem, enfim, eu acho que procuram protagonismo, mas mais que isso, pretendem mesmo causar aquela inveja feia nos outros. Vivem para isso. Contam os comentários, os likes, as partilhas e acham-se muito mais influentes que os comuns mortais. Acontece que, quando libertas as tuas fotografias ou opiniões nas redes sociais, a menos que as pessoas coloquem lá os likes, não consegues ter a certeza de quem viu ou sequer se alguém viu, pode haver mais mirones como eu, por exemplo. Mas tu queres ter a certeza que viram, tens de ter a certeza. De outra forma para que serve teres ido ao ginásio? Para que comes tu quinoa? Para que foste tu gastar um dinheirão numa viagem à Australia? 

Então toca de entrar pelo Whatsapp dentro. Agora, se não querias passas a querer. Os nossos grupos privados do emprego, dos amigos, da ginástica, da dieta, todos estão a ser invadidos por exércitos de imagens de idas românticas a restaurantes finos, que não podemos ignorar porque os outros sabem quando as vemos e ficam ofendidos e chamam-nos invejosos se não respondemos com uma carrada de emojis a mostrar que eles são uns sortudos com uma vida maravilhosa e que morremos de inveja deles, mas inveja da boa, tá?
Pá, tudo bem, a pessoa tolera uma fotografia, três fotografias. Mas não se aguenta o descarregar das férias inteiras no grupo das amigas. Então se a mesma pessoa faz parte de três dos grupos os quais nós também fazemos parte, a coisa toma proporções de massacre. Não se aguenta nem é simpático, quer dizer, as pessoas estão a trabalhar, na maior parte das vezes com sacrifício e má vontade e os amigos que estão em Bali passam uma semana a injectar  imagens dos pézinhos entrelaçados na praia, da corrida que fizeram de mãos dadas no parque, do aborrecido que foi terem de beber um cocktail cor de fogo na esplanada com vista para o mar, do pôr do sol com as mãos em coração à volta e dos adoráveis filhos de costas à beira mar. directamente no nosso sistema nervoso. E nós a responder, imagem atrás de imagem, uau!, que giros!, que máximo!, espectáculo!, isto é o paraíso!, que bom!, que inveja!, que maravilha!, que beleza! quando temos é vontade de os mandar à merda.

A sério, desculpem lá mas não há pachorra. 
Ao menos dantes, com o album de fotografias da Primeira Comunhão, sempre vinha uma garrafita de vinho para animar a coisa.





quarta-feira, 12 de abril de 2017

Recicla tu!

Ok, pronto. Quer dizer, a pessoa vê as notícias e pensa nas coisas e claro que se sente na obrigação de agir. Confesso, não sem algum pesar, que nesta família não possuímos nem fábricas nem plataformas petrolíferas nem jactos privados, de maneira que a pior coisinha que aqui fazemos é mesmo deitar o óleo de fritar pelo cano do lava loiças, mas ainda assim decidimos ir mais longe e agir como pessoas verdadeiramente evoluídas: começamos a reciclar o lixo.
Afinal dizem que é fácil, barato e bom para o Planeta, não pode ser assim tão complicado.

Tomada a decisão, o primeiro passo é adquirir uns caixotes daqueles às cores. Ora, assim de repente precisamos de um para cartão e papel, outro para vidro, outro para embalagens de plástico e metal, outro para pilhas, outro para pequenos domésticos e carregadores e essas coisas, outro para as tampinhas de plástico, outro para as lâmpadas, outro para os medicamentos fora de prazo e outro para o óleo de fritar. Isto se não andarmos a separar cápsulas de café ou o interior dos rolos de papel higiénico ou frascos de compota para um trabalho qualquer da escola dos miúdos, caso contrário teremos de acondicionar mais umas caixas e caixinhas sobre as pilhas periclitantes de manuais escolares que havemos de enviar para uma escola em Timor, que estarão encostadas aos caixotes com roupas das crianças que deixaram de servir e havemos de entregar na paróquia local.
Vai-se a procurar nos supermercados e somos logo confrontados com a triste realidade: os caixotes para reciclagem são fabricados por agentes imobiliários: ou são ridiculamente diminutos e inúteis, com capacidade para acomodar tipo dois pacotes de leite, ou são gigantescos ao ponto de termos de tirar dois armários mais a máquina da loiça só para encaixar o amarelo, o que nos obriga a mudar de casa rumo a um novo e luxuoso apartamento com assoalhadas suficientes para acomodar o lixo, além de uma boa garagem para acomodar a família.

Com os novos caixotes verdes, amarelos, azuis, cinzentos e castanhos bem arrumadinhos na nossa casa nova. há que aprender o básico. É que reciclar é mesmo para espertos, não se julgue que é só separar o lixo e agora vai lá à tua vida. Reciclar é uma actividade tão evoluída que temos de aprender a fazê-lo.
Separar o lixo é uma ciência que exige estudo, método e concentração por parte de todos os elementos do agregado. Por exemplo, um pequeno almoço de leite e cereais: dantes servíamos a taça, o leite e os cereais acabavam, nós abríamos o caixote do lixo e atiravamos para lá as embalagens vazias. Agora, os cereais acabam, nós devemos retirar o saquinho de plástico que vem lá dentro, sacudi-lo no caixote do lixo e coloca-lo sobre a bancada. De seguida, devemos espalmar a embalagem de cartão bem espalmadinha, por causa do espaço, e coloca-la junto do saquinho de plástico. O pacote de leite deve ser passado por agua, por causa do mau cheiro, e também espalmado com deferência e cuidado. Só então estaremos prontos para calçar os patins, atravessar a mansão rumo à ala da reciclagem, deitar o saquinho de plástico e o pacote de leite no caixote amarelo e a caixa de cartão no azul.
No caixote azul podemos também depositar jornais, papéis correntes e cartões vários, mas lenços de papel, papel higiénico, papéis plastificados ou autocolantes e qualquer papel que tenha servido para acondicionar comida, nem pensar.
Já os vidros devem ser colocados no seu ponto de recolha específico, mas as tampas de frascos e garrafas devem ser removidas e colocadas no ponto amarelo.
Uma nota: uma vez que a separação do lixo nos pontos de triagem é feita à mão, por pessoas, é simpático exaguarmos os vidros e restantes embalagens antes de as deitarmos no caixote, portanto, toca a poupar nos jantares fora que a conta da água vai disparar. No entanto atenção: copos, loiças de casa, cerâmicas, espelhos e outros vidros não são recicláveis, pelo que devem ser depositados no lixo corrente.
O caixote amarelo aceita latas, sprays, embalagens feitas de misturas de materiais (como os pacotes de leite), tabuleiros de esferovite ou alumínio, frascos de shampoo, detergentes, etc. Contudo, plásticos de brinquedos, cabides, embalagens que tenham servido a pesticidas ou produtos tóxicos, talheres de plástico ou outros objectos em plástico ou metal não.
Aprendeu?
Pois, cá em casa também não.

Uma vez que a aprendizagem é morosa (pode levar anos), tem de se nomear um elemento da família para desempenhar a ingrata e penosa tarefa de ser o polícia do caixote do lixo.
As funções deste elemento consistem em vigiar com olhos de falcão os vários recipientes, por forma a garantir que não há pacotes de leite no cartão, que as embalagens estão todas lavadas, que não há tampas no recipiente do vidro, que não há guardanapos no caixote do papel... enfim.
Mas há. Há sempre. Sem-pre.  E nunca foi ninguém. A consequência natural, uma vez que o cão não separa o lixo e julgo que o lixo não se baralha sozinho, é o nosso quotidiano familiar tranquilo ser substituído por um outro mais dado à gritaria, à delação e ao pugilato.

Separado o lixo, tem de ser despejado nos pontos de recolha.

Reciclar é civilizado, mas nuns países cheira-me que é mais civilizado que noutros. A partir do momento em que decidimos reciclar o nosso lixo, aprendemos que em Portugal não há recolha de reciclaveis porta a porta (pelo menos no meu Portugal não há). De maneira que o lixo passa a ser como mais uma meia dúzia de passageiros que temos de transportar no nosso automóvel para deixar no ecoponto a caminho da escola ou, se nos esquecermos, no caminho para o trabalho ou, se nos esquecermos, no caminho de regresso a casa ou, se nos esquecermos, no dia seguinte. O dito automóvel passa a andar sempre tão nauseabundo e cheio de lixo que mais vale juntarmos à casa nova um carrão a condizer, com imensos lugares e bagageiras e tecto de abrir, ou, a bem da saúde dos pequenos, teremos de começar a levar as crianças para a escola dentro daquelas malas cinzentas amarradas ao tejadilho do carro.

Já estamos dentro da viatura, mais as  crianças e o lixo e tudo, toca a ir em busca de um ecoponto. Os ecopontos não são assim tantos e estão quase sempre estrategicamente colocados em cima de qualquer coisa proibida: uma passadeira, uma paragem de autocarros ou uma curva, portanto, parar para descarregar é uma actividade arriscada e muitas vezes ilegal, tipo train surfing para totós (já agora convém juntar às despesas um seguro como deve ser).
Entre voltas e voltinhas, e após atestarmos o depósito duas vezes, quando por fim conseguimos parar o carro sem sermos abalroados ou multados, convém rezar para que o ecoponto:
a) não esteja a rebentar pelas costuras;
b) seja um daqueles com tampa porque os sacos nunca cabem naquelas ranhuras minúsculas e nós  ficamos com as mãos e os braços a escorrer nhanha e enlouquecemos de fúria e deixamos o lixo todo no chão e vamos embora sem peso na consciência.

No final do complexo procedimento, estamos ainda a preparar-nos para a inversão de marcha, quando chega o camião de recolha do lixo e, um por um, despeja os ecopontos todos lá para dentro.
Realmente reciclar é mesmo fácil, barato e, acima de tudo, civilizado.




quarta-feira, 5 de abril de 2017

Formação para que te quero!

Nos estabelecimentos onde se atende ao público existem colaboradores (a nova palavra politicamente correcta para empregados ou funcionários). Ora, apesar de muitos acharem que sim, os colaboradores não são contratados para enfeitar, estão lá por uma razão que é... exacto, esclarecerem os clientes, ajudarem nas escolhas, tirarem dúvidas, enfim, estão lá para, precisamente, colaborarem (excepto na Worten, que não tem colaboradores. A Worten tem tipo um funcionário por loja e nem esse colabora).

 Pois bem, não sei se são os baixos salários, se é falta de educação, se é da crise, do Trump ou da bandalheira em que os bancos deixaram isto, mas tenho assistido a uma quantidade de situações que me deixam à beira de uma úlcera nervosa.

Para quem já está numa de me acusar de ser fascista ou snob deixo já aqui um esclarecimento: há, como é óbvio, imensos empregados super profissionais, educados, informados e cheios de paciência, tal como existem clientes estúpidos, irritantes, mal educados e cretinos que dão cabo da pachorra ao mais competente dos funcionários, mas não é desses que aqui falo hoje. Hoje é sobre colaboradores que não colaboram.
O colaborador que não colabora está geralmente desmotivado e desfocado e é-lhe completamente indiferente se o cliente sai dali satisfeito ou furioso. Este (des)colaborador, prejudica a empresa e irrita os clientes, logo, é desaconselhável para o negócio, acaba por sair caro ao patrão e até pode incorrer em riscos para a sua própria saúde.

Abaixo dou alguns exemplos das situações a que me refiro (escutai com atenção que isto é serviço publico):

 1 - Responder "Não tenho" quando não sabe se tem ou não.
 Um senhor já de certa idade entra na farmácia em busca de um anti ácido (durante a época futebolística deve ser a toda a hora). Procura um antigo, que é muito bom, chamado Eno. O farmacêutico, rapaz novo, franze o sobrolho e pede-lhe para repetir. O senhor repete E N O! O rapaz pensa, olha para cima, talvez em busca da resposta no tecto e, com uma expressão de pesar condescendente, responde: Eno... Eno... não tenho, não, não tenho. Tenho Rennie, Kompensan, Gaviscon... E o senhor: Mas tem a certeza? Olhe que já tenho comprado aqui. E o farmacêutico, dirigindo-se ao corredor atrás de si: Ó Laura, Eno, sabes o que é? Não temos pois não? 
Entretanto, uma rapariga que estava à espera para ser atendida e acabou por escutar a conversa, diz para o farmacêutico: Olhe, não é o frasquinho que está ali na prateleira do meio? 
É foleiro e descredibiliza o funcionário e o estabelecimento. Tem um computador? Procure antes de responder.

2 - Rir-se das perguntas do cliente.
A pessoa sai do trabalho estourada, entra no carro e, no meio das mil coisas que lhe ocupam o cérebro cansado, repara que a viatura anda aos solavancos e tem uma luz acesa. Ali mesmo ao lado há uma oficina, a pessoa decide solicitar ajuda. Entra e pergunta se alguém pode ir ver o que se passa. O funcionário enfadado limpa as mãos a um pano sujo, dirige-se ao exterior com passos arrastados, espreita para o painel e, ao observar qual é a luz acesa desata a rir. Chama o colega, mostra-lhe o objecto da piada e riem ambos muito. Depois voltam-se para a pessoa e o primeiro funcionário diz, sem tentar sequer tentar disfarçar o gozo: ò minha senhora, a luz que está acesa é do travão de mão. Por isso é que o carro anda aos solavancos. 
 É foleiro e dá vontade de lhe enfiar o travão de mão num certo sitio. Mais a manete das mudanças. E empurrar com força.

3 - Responder "depende".
A pessoa entra na loja de lingerie em busca de cuecas. Perante duas opções, uma com renda e outra de algodão simples, explica à colaboradora que pretende um modelo que conjugue elegância e conforto e pergunta qual das duas opções é mais confortável.  A funcionária responde: Depende.
Não, errado, não responde Depende!
Se lhe perguntarem se prefere o Ryan Gosling ou o Dalai Lama ela pode responder Depende, porque na realidade depende da utilização que ela pretende dar a cada um, mas neste caso não podeporque se não é surda devia ter ouvido que o que a pessoa procura são umas cuecas confortáveis e elegantes. Portanto, a colaboradora já devia ter percebido que a pessoa está inclinada para as de renda ou não estaria com elas na mão, mas receia que não sejam tão confortáveis como as de algodão. Ou seja, se a pessoa pergunta é porque procura uma resposta e Depende, neste casonão é uma resposta.
É foleiro e obriga a pessoa a decidir se lhe enfia uma cabeçada ou uma joelhada nas ventas, depende da altura dela.

 4 - Ignorar o cliente
A pessoa entra na tabacaria para comprar o Expresso e um maço de cigarros. A rapariga do outro lado do balcão está sentada num banquinho a falar ao telemóvel. O som dos passos da pessoa alerta-a e ela levanta os olhos. Sem alterar a expressão, baixa-os de novo e continua a falar. A pessoa entretanto está de frente para ela, diz Boa tarde e aguarda. A conversa telefónica continua e a pessoa põe-se a tamborilar com os dedos no balcão. A colaboradora mantém-se impassível, agora tem o telemóvel preso entre o ombro e a orelha e, com a unha do polegar esquerdo empurra as peles do polegar direito. Estende o braço à altura dos olhos com a palma da mão voltada para a frente, de maneira a comprovar a qualidade da manicura ao longe, e dá mais um jeitinho com uma unha na outra. A pessoa enerva-se, debruça-se sobre o balcão, arranca o telemóvel do ombro da colaboradora e atira-o contra a parede do fundo do estabelecimento.
 É foleiro e, no caso de o cliente não ser bom de pontaria, a cena pode acabar com o telemóvel enfiado na boca do colaborador.

Portanto, isto é assim:  quem trabalha, seja em que área for, vende. Quem vende tem de conhecer o seu produto ou serviço e tem de o conhecer bem. Sejam roupas, ferragens, refeições, estafetas ou artigos de cabeleireiro, quem vende tem de ser especialista, tem de saber tudo, todos os detalhes, variantes e especificidades do seu produto e, quanto mais especifico este for, melhor tem de o conhecer.
Para além do produto, o colaborador tem de conhecer o cliente. Tem de saber identificar as suas necessidades e procurar antecipar as dúvidas. Claro que depois há toda parte de educação, postura, modo de falar, enfim.
As pessoas não nascem ensinadas, por isso, para colaborarem, têm de aprender a fazê-lo, têm de receber Formação. E a Formação tem de ser contínua, porque isto é como na escola, se não fazemos revisões esquecemos-nos da matéria.
Um colaborador bem formado também costuma estar mais motivado, demonstra empenho e concentração, entende o que esperam dele e, mais importante, vende mais e fideliza clientes, o que até pode significar ganhar mais dinheiro no final do mês.
É sempre uma vantagem para a empresa e poupa tantos nervos às pessoas!