quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Indo eu, indo eu a Caminho de...Santiago #16 - Etapa 2- Porriño-Pontevedra

Outra parte chata de dormir em albergues é a partida no dia seguinte - isto para quem queira, como nós, sair bem antes do nascer do dia. Acordar às 5.30 da matina já não é a melhor sensação da vida, acordar às 5.30h da matina depois de ter dormido ao todo uns 45 minutos, ainda é pior. Acordar às 5.30h da matina, deparar com 20 pessoas a dormir, ter por isso de sair sorrateiramente da camarata, às escuras, com a tralha toda atrás, para nos vestirmos no corredor, é uma trampa que não dá jeito nenhum.
Antes de partirmos para a nossa etapa de 20km rumo a Arcade,  paramos num café para carimbar a credencial, tomar  o pequeno almoço e ver se acordávamos antes de nos fazermos à estrada. Quando íamos a sair entrou um rapaz, peregrino, que nos sorriu com tanta simpatia e disse um good morning tão entusiástico que nos deu energia para as primeiras horas. 
Caminhar de noite não é tão giro como caminhar de dia, mas com as temperaturas a galope por aí acima, é infinitamente mais fresco e rápido. Os bastões são uma ajuda preciosa, evitam o inchaço das mãos e aceleram bastante a passada. 
Ao fim de uma hora de caminhada em que quase não vimos ninguém, fomos apanhadas pelo rapaz do sorriso simpático, que nos acompanhou durante o resto do dia. O Jakub (Jacob) era um polaco de 32 anos, magrito, cabelo loiro cortado à moda do colégio inglês e vinha a caminhar desde Lisboa, de tenda às costas, de onde tinha partido no dia 17 de setembro. Contou-nos que estudou Relações Internacionais em Cracóvia, depois foi completar os Estudos para França, onde viveu durante um ano. Regressado à Polónia abriu uma empresa de publicidade que lhe permitia trabalhar 9 a 10 meses no ano e viajar nos restantes. Confessou-se absolutamente apaixonado por Portugal e pelos portugueses e na Primavera pretende regressar para fazer a Rota Vicentina. Apesar das fortes motivações religiosas, o Jakub tinha o objectivo, que atingiu, de perder 5kg no Caminho. 
Cerca de 15 km depois de partirmos, à chegada a uma terriola chamada Redondela onde paramos para beber um café, comer o bolinho que oferecem sempre aos peregrinos e carimbar a credencial, fomos adoptados por mais um peregrino. Este era um alemão negro, alto, elegantemente atlético com o sorriso mais franco, simpático, saudável e bonito que eu já vi. Chamava-se Jeremiah, o que foi motivo de risota, quer dizer, Jacob e Jeremias? Qual era a probabilidade? 
O Jeremiah contou-nos que aos 27 anos ainda era estudante de medicina porque descobriu tarde  o que queria fazer na vida. Pretende especializar-se em anestesiologia, sonha encontrar uma mulher com quem construir uma vida, nunca tinha andado de avião, aliás, nunca tinha saído da terra dele - uma cidadezinha perto de Frankfurt - e, tal como o Jakub, nunca tinha visto o Oceano antes. Por ter partido do Porto e vindo pelo Caminho da Costa, como o Jakub, a descrição deles do espanto que foi essa primeira visão fez-me desejar muito ter assistido. 
Conversar enquanto se caminha alivia as distâncias. Perto de Arcade concluímos que nos sentíamos espectaculares e decidimos juntar duas etapas numa e seguir para Pontevedra. 
Oh, triste ideia.

Numa das várias paragens que fizemos a partir daí, a sensação que dá é que cada quilómetro se transforma em cinco, passou por nós um senhor já de idade, irritantemente fresco e energético. Meteu conversa connosco e ficamos a saber que era lituano, 75 anos, casado, duas filhas (uma delas a viver nos EUA) e três netos. Tal como o Jakub partira de Lisboa mas quatro dias antes dele.

O Caminho foi-se fazendo, quanto mais calor estava mais difícil. Estavámos mentalmente preparadas para fazer uns 35 km, que acabaram por ser 38, sendo que os últimos 8 ou 10 foram de grande sofrimento para mim, com dores intensas na planta dos pés. A Inês parece que nasceu a andar a pé, estava na maior, mas eu não, fui caminhando cada vez mais devagar e mesmo assim cheguei a Pontevedra com vontade de arrancar os pés, para dizer o mínimo, e em desespero total por uma casa de banho. 
Quando se chega a uma localidade ao fim da tarde, os albergues e sítios baratos já estão todos ocupados. Foi aqui que nos separamos dos nossos amigos - o Jakub seguiu por mais uns quilómetros em busca de um lugar onde pudesse instalar a tenda e o Jeremiah arranjou uma cama num albergue. Nós seguimos para um hotel e pronto. Um hotel com quarto, cama, casa de banho privada, banheira... que saudades!
Nessa noite ainda conseguimos encontrar um restaurante italiano que tinha uma boa sopa de legumes e dormimos que nem umas santas.

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