quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Se queres continuar a sorrir, do ginásio deves fugir

Quando tratamos como lixo a preciosa jóia que é o nosso querido corpo, é natural que ele amue e se recuse a fazer-nos as mais elementares vontades, como respirar ou fazer cocó. Nós não o tratamos bem, ele não nos trata bem, é assim a vida.
Um vez amuado, desamuá-lo pode ser tarefa deveras complicada, de maneira que há que lhe lançar desafios que ele possa achar divertidos ou então corremos o risco de isto acabar realmente mal.
Quando decidi mudar o meu estilo de vida, em vez de seguir o elementar conselho que acabei de dar (o tal Frei Tomás), fiz precisamente  contrário e cometi o erro mais frequente entre a maioria de nós, malta das decisões drásticas e estúpidas: inscrevi-me num ginásio. Pois então se era para mudar, mudava como deve ser. À bruta.
Ainda nem tinha entrado a porta e já o backdraft me atingia nas ventas.
Para começar, o outfit. Oh, céus, aquilo era um festival de calças de lycra com padrão de camuflado e riscas fluorescentes, de tops justos e mangas à cava, de garrafas high tech com líquidos espumosos, de gadgets electrónicos com auscultadores e música e gráficos para monitorizar sabe-se lá o quê, de mamas hirtas e rabos firmes e salientes, de sapatilhas tecnologicamente mais avançadas que os foguetões da NASA.
E eu?
Bem, eu era mais o género idosa demente foragida da instituição que a mantém cativa há décadas: calças de algodão mais velhas que o meu casamento, t-shirt da Galp branco amarelado com a gola toda cambada, ténis da filha mais nova e toalha turca cor de rosa. O toque de modernidade, esse ficou-se pela garrafa de 33cl de água de Monchique.
Mas fugi, perguntarão? Claro que não, isso seria se fosse esperta. Não fugi. Pelo contrário, não querendo borregar logo ali, afinal a pessoa tem a sua dignidade, apressei-me a cometer o erro número dois: aceitei uma sessão de personal trainer que o ginásio estava a oferecer.
Sem o menor interesse em fazer má figura, já bem bastava o que bastava, perfilei-me junto do pequeno poste de cabeça rapada e cheiro a sovaco, com idade para ser meu filho, que me calhou em sorte (ou em azar) e fiz (ou tentei fazer) tudo o que ele me mandou: subi para a passadeira e corri como uma fugitiva, desci da passadeira e remei como uma condenada, subi para uma bicicleta e transpirei substâncias que, juro, me faziam falta para continuar viva. Torturei as minhas desgraçadas banhocas numa variedade de aparelhos hidráulicos que só existem para nos esfregar na cara quão merdosa está a nossa forma física: o das hérnias nas costas, o da paralisia nos peitorais, o das fracturas nos braços, o das lesões nas pernas. Gemi e lamuriei-me de forma tão pungente que começaram a vir pessoas ver o que se passava. Aí voltei-me para o meu compacto e entusiástico carrasco, dei três gritos e disse-lhe que me ia embora. Ele não esmoreceu, pelo contrário, considerou que eu precisava de motivação extra e espetou comigo num colchão onde me agarrou nos pés e forçou a exercícios daqueles que causam espasmos nos abdominais enquanto berrava “força”, “vai com garra”, “não desistas”.
E, apesar de ter morrido ali por alturas do remo, apesar do pivete a sovaco que afinal acho que era meu, e apesar do rapazinho me tratar por tu, eu não desisti.
Quer dizer, não desisti de viver, mas passaram muitos meses até voltar a meter lá os pés.


2 comentários:

  1. Acho que é muito divertido ler as suas peripécias; a maneira leve como as descreve é deliciosa. E também acho que faço as mesmas figuras: mudei a maneira de estar, também estou no ginásio (a PT é uma menina, que também poderia ser minha filha...), enfim!!! com o tempo e prática, encarreiramos, vai ver. Um grande beijinho e continue nessa boa onda.

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    1. Obrigada Fátima, fico muito contente que goste, espero que continue a vir aqui. :-)

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